Provas de aferição passam a ser obrigatórias e mantém-se a exigência de os responsáveis educativos serem licenciados. Neste ano letivo houve mais 200 alunos neste regime.
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A Proposta de Lei 82/XIV, que regulamenta o ensino doméstico e o ensino individual, vai ser esta quarta-feira discutida no Parlamento, sob protesto de duas associações de pais, por não terem sido ouvidas. A obrigatoriedade de realizar provas de aferição não agrada aos defensores deste sistema de ensino. Contestam ainda a exigência de que o responsável educativo seja licenciado e que a escola tenha de autorizar esta opção. Há 723 alunos matriculados no ensino doméstico.
"Não concordamos com a obrigatoriedade das provas de aferição, porque servem para avaliar o método de ensino em sala de aula", argumenta Inês Peceguina, vice-presidente da Associação Movimento Educação Livre (AMEL). Por isso, encara esta exigência, antes facultativa, como uma "forma de controlo" do processo do ensino das famílias, cujos filhos já são submetidos a diversas provas.
A presidente da Associação Nacional de Pais em Ensino Doméstico (ANPED), Alexandra Nascimento também defende que as provas de aferição sejam opcionais. "As famílias em ensino doméstico pedem opções na avaliação e maior flexibilidade curricular. Tentar padronizar essa opção de acordo com os padrões escolares elimina muita da autonomia desta prática".
Na terça-feira, a ANPED enviou um documento aos grupos parlamentares com a análise das normas do decreto-lei proposto, no qual sugere alternativas, por considerar que a atual redação constitui "um enorme retrocesso nos direitos, liberdades e garantias das famílias". Pede ainda que o diploma seja alvo de um debate alargado.
"Passa a exigir-se a licenciatura como habilitação mínima do responsável educativo, criando uma profunda e injustificável desigualdade no acesso, e não prevendo sequer uma fase de transição para o regime da sua aplicação", denuncia o documento da ANPED, a que o JN teve acesso. Assim, defende que continue a bastar que o responsável educativo seja detentor de um grau acima daquele em que o filho esteja matriculado.
Inês Peceguina concorda com a ANPED. Para sustentar a sua posição, dá como exemplo famílias mais antigas, em que as mães "fizeram um excelente trabalho" na orientação dos filhos, sem terem licenciatura.
"Os pais são gestores de aprendizagens, e não professores, e a questão da licenciatura não é garantia de nada".
A exigência de autorização do diretor da escola ou do agrupamento para ter acesso ao ensino doméstico também é alvo de críticas das duas associações. Inês Peceguina refere a "grande confusão" gerada nos últimos dois anos, desde que a portaria 69/2019, que se pretende agora que passe a decreto-lei, criou essa obrigatoriedade. "Se o ensino doméstico é um direito e se as famílias reúnem todas as condições, não faz sentido acrescentar processos burocráticos."
Este ano letivo, há mais 200 alunos matriculados no ensino doméstico do que no ano anterior. O Ministério da Educação informa ainda que a maioria reside na zona de Lisboa e Vale do Tejo (352) e está nos 3º e 4º anos.
SABER MAIS
Pandemia
A pandemia contribuiu para aumentar o número de alunos em ensino doméstico. Alexandra Nascimento aponta a preocupação com a saúde dos filhos, o receio de contágio de avós, a obrigação do uso de máscara e a redução do tempo de recreio como os motivos dos pais.
Socialização
A presidente da ANPED assegura que, apesar de as crianças e jovens estudarem em casa, também têm momentos de socialização, através de atividades extracurriculares. "Nunca observei que fossem miúdos a crescer dentro de uma bolha."
Estudo
Inês Peceguina defende a realização de um estudo para determinar o impacto do ensino doméstico nos alunos. "É fundamental sabermos como é que as crianças se desenvolvem, porque os relatos das famílias não têm validade científica", justifica a também investigadora.
Auscultar
As duas associações confirmam que foram ouvidas antes de ser criada a Portaria 69/2019, mas lamentam que não tenham voltado a ser auscultadas. Desde então, só têm mantido contacto com os grupos parlamentares.