Só uma baixa das retenções na fonte permitirá que contribuintes sintam impacto já no próximo ano. Cerca de metade das famílias não paga imposto, mas suporta taxa de IVA igual aos mais ricos. Em 2020 e 2021, Governo não atualizou com inflação intervalos de rendimentos.
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A cerca de duas semanas da data de entrega do Orçamento do Estado para 2022, António Costa anunciou que tinha 200 milhões de euros para criar dois escalões novos de IRS - entre o 3.º e o 4.º e entre o 6.º e o 7.º -, mas não prometeu descer impostos. Especialistas explicam que a criação de escalões não garante maior progressividade (paga mais quem mais ganha) e que 200 milhões de euros não chegam para fazer a diferença às famílias. "A maior progressividade está por criar, entre os 50% de famílias que não pagam IRS por terem baixos rendimentos, mas são brutalmente taxadas com IVA a 23%", refere um ex-quadro da Autoridade Tributária.
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Analisando os atuais escalões de IRS, o histórico nacional e internacional deste tipo de tabelas e os desdobramentos mencionados por Costa, o especialista antecipa que "pode ser criado um escalão mais ou menos a meio dos valores, entre o 3.º e o 4.º, e um 6.º que fique entre os 36 900€ e os 60 mil euros". Mas isso pode ser "feito sem o Estado perder receita, até porque 200 milhões de euros não chegam para revolucionar os escalões". Como? "Por exemplo, baixo a taxa a quem ficar no 6.º escalão, mas subo a quem passar para o seguinte, o que significa que todos acima do 6.º vão ter aumento de impostos e o mesmo pode ser válido para quem está acima do 3.º", resumiu. Na prática, poucos pagarão menos e descem os impostos para quem recebe mais.
"Dependendo de como a alteração dos escalões se concretizará, poderá existir ou não uma redução generalizada do imposto e os impactos poderão ou não estender-se para os escalões seguintes", ressalvou Bruno Alves, Tax Partner da PwC. Para o especialista, "o número de escalões tem de ser avaliado em conjunto com as restantes regras de apuramento do imposto, nomeadamente as taxas aplicáveis, os intervalos e limites dos respetivos escalões, as deduções à coleta, isenções, impacto do agregado familiar, entre outras", além de que, para ter efeitos em 2022, "será necessário um ajustamento das tabelas de retenção na fonte" já no próximo ano.
Aumento encapotado
Nas atualizações, o Estado já falhou este ano, acusou José Cortez, no blogue O Insurgente. Estudioso de temas fiscais, recordou que "a falta de atualização dos escalões de IRS de 2021 para refletir a inflação de 2020 [0,3%] corresponde a um aumento encapotado de impostos".
"Mais escalões não significam menos impostos ou maior justiça fiscal. Para haver progressividade, os 50% de famílias que não pagam IRS, mas pagam impostos indiretos elevadíssimos - iguais aos que descontam 48% para o IRS - para meter combustível, pagar a eletricidade ou ir comprar bens essenciais", acusou o antigo quadro da AT. "Temos meios tecnológicos para isso, as faturas estão online e temos como devolver a essas famílias uma parte do IVA que pagaram à taxa máxima. Isso seria a verdadeira progressividade", lembrou.
Era preciso que houvesse margem para abdicar das receitas, "que não há", garantiu o economista Eugénio Rosa. "A Segurança Social pagou, até junho, mais 800 milhões de euros com despesas covid que não estavam cobertas pelo OE2021. Não há dinheiro", rematou.
Capitais
Englobamento obrigatório será "único no Mundo"
A possibilidade de o Orçamento do Estado para 2022 tornar obrigatório o englobamento dos rendimentos de capitais e de mais-valias está a agitar os partidos à Direita e é visto como um risco de Portugal perder atratividade para o investimento por parte de grandes empresas e para a poupança em geral. "Se tal acontecer, ao que sei, será caso único no Mundo", lamentou João Cortez. Ao Observador, fonte do Governo disse que os rendimentos prediais e os juros dos depósitos estariam fora da negociação com os partidos de Esquerda. Atualmente, os rendimentos prediais e de capital podem ser tributados através de uma taxa liberatória de 28%.
Europa
Subida por reverter
O "brutal aumento de impostos" anunciado em 2012 pelo ministro das Finanças Vítor Gaspar ( 30%) não foi revertido após a crise da troika. Quem ganha menos pagava 11,5% de IRS, desde então paga 14,5%.
Ricos mais cedo
Somos o segundo país da Europa (a seguir à Bélgica e a par da Grécia) onde se atinge a taxa marginal máxima de 45% no IRS (a partir de 37 338€ anuais). Na Alemanha, só com 260 532€ anuais se atinge aquela taxa.
Nove escalões
Se o OE2022 introduzir dois novos escalões no IRS, Portugal ficará com nove e será o país da UE com mais níveis de imposto a seguir ao Luxemburgo (23 escalões).
Peso
34,6% do PIB foi a carga fiscal de Portugal em 2020, sendo a mais elevada de sempre.
27% do salário bruto do trabalhador é para impostos em Portugal, acima da média da OCDE (24%).