Numa sessão tensa e com troca de flores, Marcelo faz apelo ao "equilíbrio" no 25 de Novembro

Marcelo Rebelo de Sousa fez o seu último discurso na Assembleia da República
Foto: André Kosters/Lusa
Marcelo Rebelo de Sousa fez, esta terça-feira, o seu último discurso no Parlamento enquanto presidente da República. No final de uma sessão controversa dos 50 anos do 25 de Novembro e tensa entre os partidos, o chefe de Estado lembrou a "temperança" como uma das virtudes dos portugueses.
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Como já tem sido seu hábito, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou mais uma sessão solene, desta vez do 25 de Novembro, para dar uma aula de História. Foi preciso recuar 600 anos e parafrasear uma carta escrita pelo rei D. Pedro para lembrar a "temperança, o equilíbrio e a moderação" dos portugueses. "Entre o risco da violência e a temperança, no 25 de Novembro, venceu a temperança", referiu perante os deputados, na sessão solene, no Parlamento, esta terça-feira.
"Com o Portugal de há 50 anos ou de hoje é fácil de entender. Muitos dos problemas de então são ainda vistos há meio século ou hoje. Mas talvez ainda mais importante seja a temperança como virtude nacional. Apesar de tanta história de guerras naqueles primeiros quase três séculos, pela independência, pela conquista do território, pelo poder interno, D. Pedro, que morreria às mãos de um sobrinho, pensava que ainda assim a nossa grande virtude, que evitava o pior e nos unia pelo melhor, era a temperança", apontou o presidente da República.
Foram vários os partidos políticos que saudaram o papel de Ramalho Eanes, antigo presidente da República, no 25 de Novembro. Em diferentes momentos da sessão solene, o antigo chefe de Estado, presente na cerimónia, foi aplaudido pela Esquerda e a Direita. Marcelo Rebelo de Sousa lamentou que Eanes, primeiro presidente da República eleito em democracia, não tenha aceite ser marechal em vida, à semelhança do que aconteceu com Costa Gomes e Spínola. "A história da democracia portuguesa nunca conseguirá explicar que a humildade do general Ramalho Eanes tenha impedido elevar ao marechalato", declarou. O título, a mais alta patente militar, foi recusado por Eanes em 2000.
Ramalho Eanes foi aplaudido várias vezes por diferentes bancadas
Foto: André Kosters/Lusa
Críticas e cadeiras vazias
Minutos antes, Aguiar Branco, presidente da Assembleia da República (AR), apelou ao sentido de responsabilidade dos partidos. "Sejamos melhores por eles", afirmou, referindo-se aos estudantes de duas escolas presentes nas galerias da Assembleia da República. Apesar da tentativa de conciliação, o presidente da AR disse ainda assim ser "estranho" porque é que uma data como o 25 de Novembro "divide" e é "fraturante". "Sou de Abril, sou de Novembro e sou hoje e sempre da democracia representativa", salientou. Para Aguiar Branco, as "críticas e cadeiras vazias são testemunho vivo da importância da data histórica".
Tal como já tinha acontecido no ano passado, além do PCP, alguns dos mais importantes militares envolvidos no 25 de Novembro e que fizeram parte do chamado "Grupo dos Nove", como Vasco Lourenço, estiveram ausentes da cerimónia. A associação 25 de Abril, presidida por Vasco Lourenço, critica a sessão solene no Parlamento por considerar que está a ser feita uma "deturpação" da História.
E se a divisão entre os partidos políticos sobre a interpretação do 25 de Novembro foi audível nos discursos, também o foi nas flores. Paulo Núncio (CDS) e André Ventura (Chega) taparam ou retiraram, respetivamente, os cravos vermelhos, símbolo do 25 de Abril, deixados no púlpito por Jorge Pinto (Livre) e por Mariana Mortágua (BE). Todo o Parlamento estava decorado com rosas brancas. Vários deputados do PS usaram cravos vermelhos na lapela. Também Inês Sousa Real do PAN discursou com a flor símbolo do 25 de Abril.
Cravos vermelhos e rosas brancas
Quando chegou ao púlpito, Pedro Alves, deputado do PSD, voltou a colocar os cravos junto das rosas e afirmou que "o dia é de todos". O social-democrata afirmou que em Abril "todos foram pela liberdade", mas em Novembro, "apenas alguns foram pela democracia". "Os democratas venceram e a suprema ironia é que os revolucionários de ontem são hoje burgueses reacionários. Os democratas venceram e perdoaram e amnistiaram, mas não esquecem. Tivessem eles vencido e estaríamos no Campo Pequeno", disse Pedro Alves.

Pedro Alves (PSD) voltou a colocar os cravos junto às rosas
Foto: André Kosters/Lusa
A referência é a uma frase de junho de 1975, dita por Otelo Saraiva de Carvalho, militar de Abril, que causou polémica. Eleito naquele mês e ano como comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), afirmou que colocaria os contra-revolucionários "todos no Campo Pequeno".
Marcos Perestrello (PS) referiu que "a comemoração do 25 de Novembro é inseparável do 25 de Abril". "Neste tempo sombrio em que a mentira é usada como ataque à democracia, os democratas não podem compactuar com estes métodos", disse. O socialista deixou ainda críticas ao Governo, por "comemorar o 25 de Novembro nos termos e nos modos em que o faz".
"A maneira ilegítima como o Governo, com a maioria que o apoia, quer apropriar-se do 25 de Novembro, instrumentalizando-o, constitui mais uma ação de subordinação à extrema-direita saudosista, que, na verdade, o que quer é encontrar um pretexto para negar o 25 de Abril, a sua proeminência, o seu lugar cimeiro, fundamental e incomparável, que fechou o ciclo de 48 anos de ditadura. É um plano comemorativo que acaba por resultar contra o próprio 25 de Novembro, falseando o que ele foi e representou, maculando o seu espírito e a sua memória, deturpando o seu desígnio e o seu significado", apontou Marcos Perestrello.
Durante o discurso do PS, que terá uma evocação dos 50 anos da data histórica, esta terça-feira à noite, no Largo do Rato, o primeiro-ministro Luís Montenegro reagiu e acenou, várias vezes, que "não" com a cabeça.

Luís Montenegro reagiu ao discurso do PS na sessão solene
Foto: André Kosters/Lusa
Já André Ventura, presidente do Chega e candidato a Belém, aproveitou a cerimónia para criticar Marcelo Rebelo de Sousa. No seu discurso, o deputado voltou a criticar o presidente da República por estar presente na cerimónia dos 50 anos de independência de Angola. "Ao ficar calado perante a ignomínia, a ameaça e a categorização de um país inteiro com nove séculos de história, foi indigno da posição que tem e traiu os portugueses, os atuais e os passados", apontou, virando-se para o chefe de Estado. Alguns deputados socialistas saíram durante a intervenção de Ventura e voltaram a entrar no momento do discurso do PSD.
Mariana Leitão, da Iniciativa Liberal, defendeu que o 25 de Novembro é "um apelo claro à defesa de todas as liberdades", quando em 1975 o país estava "sequestrado" por uma "uma nova ideologia", que o queria transformar numa "deriva totalitária". Paulo Núncio (CDS) apontou que o 25 de Novembro "impediu que Portugal se transformasse na Cuba do Ocidente".
Revisitar o passado
Já Jorge Pinto (Livre) lembrou várias frases do Documento dos Nove, um manifesto dos militares moderados para a constituição de uma democracia pluralista. "Não contem com Livre para alimentar uma guerra cultural", disse o deputado, que considerou que as cerimónias do 25 de Novembro querem "revisitar o passado para moldar o futuro".

Jorge Pinto (Livre) foi um dos que deixou um cravo vermelho junto ao púlpito
Foto: André Kosters/Lusa
Mariana Mortágua (BE) apontou que a Direita "despertou cobardemente meio século" e lembrou que a "democracia não é um mero funcionamento administrativo". Para a deputada bloquista, a "única manifestação que importa é da eliminação da violência contra as mulheres", com protestos marcados, esta terça-feira, em várias cidades portuguesas.
Inês Sousa Real disse que Novembro de 1975 tem sido "usado como arma de arremesso" e criticou o Governo por gastar "milhares de euros em paradas militares", como a que ocorreu horas antes na Praça do Comércio, em Lisboa. Filipe Sousa do Juntos pelo Povo (JPP) declarou que há hoje quem "continua a alimentar ódios e inimigos externos como se a democracia fosse uma trincheira". "Portugal merece mais", salientou.

