Aumento da longevidade não tem sido acompanhado de mais qualidade de vida. Preparar o envelhecimento deve ser uma tarefa da sociedade mas também individual.
Corpo do artigo
Em 2021, Portugal tinha 2801 centenários. Dez anos antes, eram apenas 1526 as pessoas com 100 ou mais anos. Os números são retirados dos resultados finais dos Censos 2021, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em novembro passado. Numa década, Portugal assistiu a um aumento de 84% no número de centenários: em 2001, havia apenas 589, o que significa que o movimento se acentuou e o número mais do que quadruplicou.
Apesar do aumento da longevidade ser "uma inquestionável conquista civilizacional", o psicólogo Óscar Ribeiro, especialista em envelhecimento, considera que o aumento do número de centenários - e as previsões para a evolução desta incidência no futuro - acarreta desafios de peso para a sociedade. Este prolongamento da vida "pressupõe gerir de modo ajustado e integrado as doenças que aparecem nas idades mais avançadas, o financiamento dessas vidas mais longas, e a necessidade de revisitar a visão que temos da nossa existência".
Preparar o envelhecimento
Ou seja, o psicólogo entende que além de um dos desafios do futuro ser o investimento público e privado na qualidade da longevidade de vida, também é necessário que toda a sociedade questione a típica estrutura "estudo-trabalho-reforma". "Não se trata de focar no que fazemos ou no que se passa no final da vida, mas o que fazemos ao longo da mesma, o que pressupõe pensarmos na nossa existência com um horizonte temporal alargado", diz, apelando à responsabilidade individual.
Também focado na dimensão qualitativa da longevidade está Paulo Machado. O presidente da Associação Portuguesa de Demografia afirma "que o aumento da esperança de vida das pessoas mais idosas não tem sido acompanhado por um significativo aumento da qualidade de vida", apesar de os números da longevidade serem há muito expectáveis.
Manuel Caldas de Almeida, geriatra e vice-presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), traz o mesmo argumento para a discussão. Mas põe a tónica na questão económica. "Não nos podemos esquecer que ser velho e pobre é muito pior do que ser velho e rico. Se tivermos recursos financeiros, viver com longevidade não é um problema", afirma.
Mais cuidados domésticos
O aumento da longevidade - em 2001, a esperança média de vida era 75,95 anos e passou para 81,06 em 2021 - e, consequentemente, de cada vez mais doenças nas pessoas mais velhas, nomeadamente do foro psicológico, como as demências (ler coluna à direita), não está, na opinião de Caldas de Almeida, a ser tratado com a devida importância.
"Os lares ainda são vistos pela legislação e pelo poder político com um pendor hoteleiro". Além de ser preciso mais investimento público neste setor, é necessário mudar a lei para que esta "contemple a obrigatoriedade e o apoio à contratação de terapeutas, enfermeiros, médicos e psicólogos a tempo inteiro", algo que neste momento está em falta, lamenta Caldas de Almeida. Sugere que a solução para o que chama de "tsunami demográfico" é transferir a ideia de institucionalização por mais cuidados domésticos - o que, mais uma vez, sublinha, implica investimento.
Pioneiro e único no país, o PT100 é um projeto da Universidade do Porto, encabeçado pelo psicólogo Óscar Ribeiro, que traçou o perfil das pessoas centenárias na região durante cerca de sete anos. Dos 100 anos até à sua morte, dezenas de pessoas foram acompanhadas por um grupo de investigadores que pretendia perceber como viviam. O projeto será agora retomado, abrangendo outras regiões, para concluir se existem diferenças entre os centenários da primeira edição, que começou há quase uma década, e os "novos".