Fim das moratórias, oferta maior que a procura, imprevisibilidade da economia, concessão de crédito bancário em alta, taxas de juro reduzidas. O imobiliário depara-se com um cenário impactante que terá reflexos claros para quem pretende adquirir habitação própria, com todos os indicadores a apontarem para uma baixa de preços significativa
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"O mercado vai registar uma crescente erosão dos preços nos próximos seis a nove meses", descreve um relatório da consultora Imovendo, a que o JN teve acesso. "O crescente peso dos municípios que apresentam sinais vermelhos em termos de evolução homóloga dos preços é um sinal de que a pressão para que os "asking prices" sejam revistos em baixa será cada vez maior", prevê a Imovendo.
Nélio Leão, CEO da Imovendo, explica que Portugal está perante "um círculo vicioso de sucessivos ajustamentos em baixa", o que conduzirá a um efeito bola de neve. "As moratórias irão terminar até setembro. Com o aproximar dos meses, e não estando previsto o prolongamento das ajudas nem uma recuperação visível da economia, os preços terão tendência a baixar ainda mais", calcula. Além disso, "não se vislumbra um aumento das taxas de juro, o que é propício à compra não só de habitação, mas também de escritórios e espaços comerciais", acrescenta. Outro fator tem que ver com o estado de espírito dos portugueses, que, por não consumirem tanto, se sentem "com mais capacidade de investimento, o que "facilita a decisão" de avançar para a compra de casa.
Descida mais significativa verificada desde 2008
A queda dos preços na habitação é realidade que se vem sentindo nas principais cidades. Números de março do Índice de Preços do Centro Histórico de Lisboa apontam para uma variação em baixa na ordem dos 14,4% do primeiro para o segundo semestre de 2020 e de 12% na comparação entre os períodos de julho a setembro de 2019 e 2020. Segundo a Confidencial Imobiliário, que compilou e analisou estes dados, trata-se da descida mais significativa verificada desde 2008.
No Porto o panorama é idêntico. Nas Áreas de Reabilitação Urbana da Baixa e do Centro Histórico, os valores de aquisição de imóveis caíram 8,2% no segundo semestre de 2020, invertendo uma trajetória de subida constante verificada na média dos semestres anteriores.
O mais recente relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a habitação, divulgado em fevereiro tendo em conta a evolução do setor entre outubro e dezembro do ano passado, refere, igualmente, que o mercado dá visíveis sinais de abrandamento. "Tendo como referência os 24 municípios com mais de 100 mil habitantes, entre o segundo e terceiroºtrimestres de 2020, em nove houve desaceleração dos preços superior ao padrão nacional", referiu o INE.
Contágios até às periferias
As cidades onde as reduções se fizeram sentir de forma mais significativa foram a Amadora (-9,3%), Cascais (-8,9%) e Lisboa (-8,1%). A capital foi mesmo "o único dos 24 municípios com mais de 100 mil habitantes com contração homóloga dos preços da habitação (-1,8%)", destacou o INE.
Conforme lembra a Imovendo, "em janeiro deste ano apenas 36% dos concelhos apresentavam valores do metro quadrado mais altos do que no ano anterior no segmento dos apartamentos". Uma tendência que "se alargará em efeito mancha de óleo a partir das áreas urbanas mais consolidadas para o resto do país", previsivelmente até ao final de junho, o que significa que os custos com o imobiliário vão sofrer uma atenuação também fora do âmbito dos principais meios urbanos.
O mais importante a reter é que a concessão de crédito à habitação aumentou 7% em 2020, o que significa que a Banca continua a financiar ativamente as famílias
Patrícia Barão, Head of Residential da JLL, empresa internacional especializada no mercado imobiliário e com forte implementação em Portugal, considera que é cedo para fazer previsões a curto ou médio prazo. No entanto, acredita que o setor está a saber defender-se bem das oscilações recentes e que as condições são propícias para justificar otimismo do ponto de vista dos compradores. "Trata-se de uma variação normal nos ciclos do imobiliário. O mais importante a reter é que a concessão de crédito à habitação aumentou 7% em 2020, o que significa que a Banca continua a financiar ativamente as famílias", sublinha Patrícia Barão. "Diria que antes de falarmos de uma tendência acentuada de queda, é justo referir que o mercado se encontra num plano de estabilização de preços, mercado esse que durante a pandemia tem demonstrado fortes sinais de resiliência a nível geral", adianta a responsável.
Já para Beatriz Rubio, CEO da Remax Portugal, a queda dos custos nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto pode ser um indicador do que virá a seguir. "Temos vindo a registar um aumento do stock de habitações à venda, no entanto ainda sem reflexo nos preços. Provavelmente, se não houver um crescimento da procura nos próximos meses esse desequilíbrio entre procura e oferta irá traduzir-se em baixas de preço", prevê.
Tal desequilíbrio é ainda pequeno, com a oferta muito ligada a "imóveis antes afetos ao alojamento local". No entanto, o figurino pode alterar-se assim findem as moratórias. "Com a data de término a aproximar-se e a possibilidade de as famílias entrarem em incumprimento, os bancos poderão recuar na concessão de novos créditos", antecipa Beatriz Rubio. Se tal se confirmar, a possibilidade é que "se assista a uma descida de preços no mercado imobiliário e, consequentemente, à existência de mais oferta no mercado." Se o fim das moratórias tiver um efeito mais moderado, aí é exequível que "o mercado retome o seu crescimento."
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