António passou quatro semanas a fazer seis horas de viagem diárias até Évora para ir à radioterapia. Não padeceu das mesmas dores, mas pelo menos teve direito a alojamento e refeições. Filomena é de Mirandela e, uma semana após ser operada a um cancro no pescoço, no Porto, teve de voltar para casa de autocarro.
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Gracinda, de Castelo Branco, anda sempre a correr para Coimbra de ambulância, mas garante não ter razões de queixa. E depois há casos como o de Ismael e como o de Ana, deslocam-se os médicos e não eles e isso faz toda a diferença. Um retrato da doença oncológica nas regiões periféricas.
António Lopes, 72 anos, natural de Alenquer, mas estabelecido em Santo André, no litoral alentejano, há mais de 40 anos, nunca foi homem de parar quieto nem de se queixar. Esteve uns quantos anos fora do país, foi soldador, trabalhou para a Petrogal. Depois, abriu uma empresa de distribuição de gás ao domicílio. E durante três décadas lá andou ele, homem acarinhado da terra, de casa em casa, as bilhas de gás invariavelmente montadas sobre as costas, a subir quantos lanços de escada fossem precisos. Durante uns tempos, nem o facto de ter adoecido o fez parar. “Mesmo algaliado, andava a subir três andares com a garrafa de gás às costas.” Mas quando regressa à memória daquele mês de radioterapia não contém o desalento. “Fui-me muito abaixo, foi um castigo”, desabafa, e o desânimo amplifica-se no rosto abatido e magro. Durante quatro longas semanas, de segunda a sexta, algures entre março e abril, lá arrancava ele de Santo André em plena madrugada, à boleia do serviço de transporte de doentes providenciado pela Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano (ULSLA), para regressar um sem-fim de horas depois, nunca antes das duas, três da tarde, uma imensidão de cansaço, dos tratamentos, dos quilómetros intermináveis, de tudo. Se fosse direto ao hospital de Évora (onde fez os tratamentos), seriam uns 150 quilómetros até lá, outros tantos para voltar, uma estafa daquelas. Mas pelo caminho ainda era preciso apanhar outros doentes da região. António ainda tem gravadas as curvas e contracurvas daquele trajeto de três horas. Para cada lado. “Íamos a Melides, a Grândola, a Alcácer, a Vendas Novas. Às vezes entrávamos monte dentro, por uma estrada cheia de buracos.”