Pandemia impediu que muitos fossem aos cemitérios. Os que abriram, com restrições, estiveram longe de atingir a lotação máxima.
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A tradição de visitar os cemitérios para prestar homenagem aos mortos foi domingo assinalada com novas regras sanitárias, desde o uso obrigatório de máscara à proibição de aglomerados, passando pela limitação do tempo de permanência devido à pandemia. Mas o Dia de Todos os Santos, ontem celebrado, tal como o dos Fiéis Defuntos, por antecipação, não foi o mesmo para todos.
É certo que a maioria das câmaras, pelo menos 180 das mais de 200 contactadas pelo JN, decidiu manter os cemitérios abertos durante o domingo, mas mesmo os que abriram, não abriram para todos, como normalmente acontece. Fruto da proibição de circulação entre municípios.
Em Braga, por exemplo, houve muito menos gente do que é habitual, conforme constatamos na tarde de ontem. A Polícia Municipal até foi convocada para controlar o relógio de cada visitante, mas o ritual cumpriu-se longe da lotação esgotada. Queixas só mesmo dos comerciantes que pouco venderam.
No Grande Porto, o dia viveu-se a ritmos diferentes. Em Vila do Conde, um dos 24 concelhos maioritariamente do Norte que assumiram a proibição, o cadeado que fechou o cemitério deixou a cidade também deserta. Já em Gaia, as autarquias e paróquias concordaram abrir portas, para satisfação de quem conseguiu visitar as sepulturas de familiares e amigos num dia ainda mais triste que o habitual.
É muito estranho ver o cemitério vazio neste dia
Todos os anos, no Dia de Todos os Santos, Lúcia Silva faz-se acompanhar da filha, Sónia, para recordar os entes queridos, no cemitério municipal de Monte d'Arcos, em Braga. Ontem, não falhou a visita às campas onde estão sepultados o marido e outros familiares, mas a homenagem que costuma durar várias horas, fez-se em apenas meia hora e com menos gente à sua volta. "É muito estranho ver o cemitério vazio neste dia", desabafou ao Jornal de Notícias já quase a abandonar o local.
As entradas foram limitadas a 250 pessoas, em simultâneo, e as visitas não podiam ultrapassar uma hora de duração. Mas a lotação não chegou sequer a atingir o seu limite, admitiram os elementos da Polícia Municipal de Braga, que controlavam os acessos.
"Está deserto, comparando com outros anos", confirmou Cristina Gonçalves, confessando que teve de furar as regras de permanência no próprio concelho, para poder visitar a campa do sogro, que faleceu há dois anos. "Moro na Póvoa de Lanhoso, mas sentia-me mal se não viesse cá", frisou.
Elisa Almeida, também, não conseguiu ficar em casa. "Não costumo vir neste dia, porque costuma ser muita confusão. Mas, desta vez, tinha que vir. O meu marido morreu há 10 dias", lamentou, com as mãos ocupadas com os círios que vai deixar acesos junto à imagem do cônjuge.
Elisa Almeida escolheu ir pelas 14. 30 horas, "porque tem menos gente". "Temos que ter muito cuidado. Se todos nós cumprirmos as regras, isto pode melhorar", afirmou.
"Na sexta-feira estava muito mais gente. As pessoas vieram assear as campas", acrescentou Lúcia Silva, concordando com as restrições às visitas.
"Não se vende nada"
No entanto, na banca das castanhas assadas lamenta-se os poucos clientes. "Não se está a vender nada, nadinha. É um ano para esquecer. A esta hora já tinha vendido 20 quilos ou mais", atirou Maria Vilaça, a olhar para os sacos cheio de fruta, enquanto nas bancas de flores veem-se comerciantes sentados à espera que os clientes cheguem.
Apesar de pouca movimentação, a Polícia Municipal colocou grades no exterior, para orientar as filas da entrada e as saídas dos visitantes. Junto ao portão, funcionários municipais distribuíam bilhetes com a hora de acesso, para as autoridades poderem controlar o tempo de permanência.. Texto: Sandra Freitas
Hoje só são 45 minutos. Mas, pelo menos, está aberto
No dia dedicado à homenagem aos mortos, em Vila Nova de Gaia quem ruma aos cemitérios cumpre as regras que a covid-19 impôs. Não há abraços. Só olhares cúmplices entre famílias "vizinhas" de jazigo no cemitério de Santa Marinha.
"O meu mais novo veio e já foi. Tem de ir a outro [cemitério] onde está a família da mulher. O que mora em Barcelos não pode vir este ano. Não dá para passar com o carro", descreve Maria José Silva, 80 anos, residente em Santa Marinha, Gaia.
Para quem começou a trabalhar aos 11 anos numa fábrica de fazer guarda-chuvas em Lordelo do Ouro, no Porto, e ficou viúva aos 40, "tinha o mais novo de cinco filhos nove meses", não há "vírus que meta medo" ao ponto de deixar de visitar os familiares que já morreram.
Foi a "vizinha de jazigo" que lhe arranjou a campa do marido e dos sogros porque os joelhos já não permitem que se baixe e os filhos pediram que se mantenha por casa. "Mas faltar? Hoje. Nunca", garante.
Muitos anteciparam
Ontem, os cemitérios estiveram abertos das 7.30 às 19.30 horas. Ao horário alargado, juntam-se regras sanitárias como o uso de máscara, os circuitos de entrada e saída e a proibição de permanecer mais de 45 minutos no interior. Para prevenir ajuntamentos, à porta há polícia e as celebrações religiosas foram canceladas, mas Agostinho Vieira, membro da Junta de Santa Marinha e de São Pedro da Afurada, não acreditava às 10 da manhã que viesse a ser preciso intervir. "Está pouca gente. Em qualquer outro ano estaria já composto. As pessoas prepararam as sepulturas ontem [sábado] ou durante a semana e hoje fazem visitas mais rápidas", descreve.
Agostinho admite que a decisão de abrir os cemitérios - tomada pelas Juntas, Câmara e Paróquias - foi "controversa", mas recorda que este é um dia "muito especial para algumas pessoas" e que há quem "se revolte e ache que é uma contradição ver público nas corridas de Fórmula 1 e espaços a céu aberto fechados".
Vitória Novais, 69 anos, nascida na Afurada e residente em Canidelo, foi uma das pessoas que decidiu "assear as campas da família de véspera". Mostra os antúrios brancos, as orquídeas amarelas e as folhas de eucalipto que escolheu com alguma vaidade, mas também alguma pressa. O cronómetro está a contar. "Se não existisse a pandemia passava aqui o dia todo. Hoje só são 45 minutos. Mas, pelo menos, está aberto", refere.