Movimento protesta hoje contra a subida geral dos preços, os baixos salários e a falta de casas acessíveis. Ativistas anteveem ciclo contínuo de manifestações.
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Durante a pandemia, asseguraram a limpeza e o funcionamento de vários espaços, apanharam autocarros de madrugada e saíram da segurança do lar para trabalhar, quando o mais aconselhável era ficar em casa. É para dar voz a estes trabalhadores e a tantos outros que moram na periferia de Lisboa que surgiu o movimento "Vida Justa". O grupo, que reúne coletivos, ativistas e personalidades da sociedade civil, protesta hoje na capital. Em 2023, as desigualdades permanecem: a subida geral dos preços e a falta de habitação acessível são os principais problemas e os mais desfavorecidos estão numa "grave vulnerabilidade económica", defendem.
Face à situação "insuportável" observada nos bairros periféricos de Lisboa, como os baixos salários, as dificuldades para pagar as contas e a ausência de "um sítio onde viver", um conjunto de associações reuniu-se no bairro Cova da Moura, em outubro do ano passado. Foi o primeiro passo do "Vida Justa". "Fez sentido para todos haver algo que fosse o reflexo do que é importante modificar", diz Flávio Almada, um dos porta-vozes do movimento.
Aos 40 anos, o também morador da Cova da Moura defende que, apesar dos graves problemas sociais que enfrentam, os residentes dos bairros são "uma população invisibilizada" enquanto voz de protesto. "A trabalhar de dia e noite", os membros da "Vida Justa" têm contactado, nas últimas semanas, pessoas de várias zonas da cidade "cara a cara", sem a intermediação das redes sociais. O objetivo é que o movimento cresça, seja diversificado e mobilizador e não se resuma a um dia de protesto.
Convergência de lutas
Andreia Galvão, outra das porta-vozes do movimento, salienta que a subida dos preços e a especulação imobiliária não são problemas só de alguns, mas de muitos. Aos 23 anos, a ativista pela justiça climática juntou-se ao "Vida Justa", já depois de ter sido lançado o manifesto do movimento, assinado por cantores como Dino D"Santiago e Francisco Fanhais e pelos ex-deputados António Filipe (PCP) e José Manuel Pureza (BE).
"O movimento teve origem nos bairros periféricos, que enfrentam muito a estigmatização, o racismo e a perseguição policial. E embora a inflação tenha um grande impacto nas classes mais baixas, afeta também os jovens estudantes e a classe média de formas diferentes", esclarece a jovem.
Vários movimentos climáticos assinaram uma carta de apoio ao movimento "Vida Justa" e vão participar no protesto de hoje, que começa no Marquês de Pombal e termina em São Bento, em frente à Assembleia da República. "A subida de preços está a ser aproveitada pelas grandes petrolíferas", esclarece Andreia Galvão.
Perdurar mais
Uma das subscritoras do manifesto "Vida Justa" foi Rita Silva, dirigente da associação Habita. Aos 47 anos, a ativista diz que este pode ser o início de uma mobilização contínua, através da "aliança ampla de movimentos" a favor de direitos fundamentais. Um novo protesto ocorre a 1 de abril, em Lisboa e no Porto (ler caixa). "Temos de estar organizados e tem de haver um ciclo longo de protestos para resolver os problemas rapidamente", defende.
Algumas comparações têm sido feitas com o "Que se Lixe a Troika", o movimento que levou milhares de pessoas às ruas contra a troika e as medidas de austeridade do Governo de Passos Coelho, em junho de 2012.
Rui Estrela, outro dos rostos do "Vida Justa", revela que o intuito é que o movimento "perdure no tempo". "O objetivo não é manifestação, é envolver as pessoas nos processos de decisão", explica o morador de 44 anos da zona do Lumiar. "Não importa a corrida dos 100 metros, isto é uma maratona".
PAÍS
Manifestações chegam a mais cidades em abril
Vários coletivos voltam a sair à rua a 1 de abril, pelo direito à habitação. Uma das associações envolvidas na organização é a Habita. O "Vida Justa" também já manifestou apoio à mobilização. Há pelo menos duas cidades com manifestações marcadas, Lisboa e Porto. A dirigente da Habita Rita Silva adianta que há associações em Ponta Delgada (Açores) e Coimbra interessadas em organizar protestos nas respetivas localidades. "Não basta ir para a rua, temos de construir um movimento para criar pressão sobre o Governo e garantir as nossas necessidades fundamentais", explica. "Não devemos baixar os braços", apelando à mobilização nos bairros e nos locais de trabalho.