A divulgação da declaração de interesses de Luís Montenegro com os novos clientes da Spinumviva está no centro do debate político. A AD coloca em cima da mesa a hipótese de estarmos perante um crime. O PS fala em ataque aos jornalistas que põe em causa a liberdade de imprensa. Mas, afinal, o que diz a lei?
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Montenegro entregou uma nova declaração de interesses?
Sim, o primeiro-ministro submeteu uma nova declaração de interesses no Portal da Transparência, na terça-feira, onde menciona sete novas empresas que foram clientes da empresa familiar Spinumviva. A informação foi avançada pelo "Expresso", na quarta-feira, a poucas horas do início do frente a frente entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos.
A divulgação foi tema no debate?
Sim e não ficou por lá. Pedro Nuno Santos considerou inaceitável Montenegro divulgar os nomes das sete empresas que faltavam a poucas horas do debate. "É inaceitável, é gozar com os portugueses, é gozar com quem trabalha o que Luís Montenegro fez umas horas antes deste debate quando tinha esta informação há dois meses e decidiu atirar o país para eleições. É neste momento o principal fator de instabilidade política em Portugal", afirmou.
A divulgação dos dados partiu do PS ou do PSD?
Não sabemos. Durante o debate de quarta-feira, Montenegro acusou o socialista de "aproveitamento político" e descartou responsabilidades na divulgação do documento. E, na manhã de quinta-feira, voltou à carga ao dizer que o PS "tem muito mais a ver" com a divulgação dos novos dados sobre da Spinumviva.
Do lado do PS, o deputado socialista Pedro Delgado Alves disse ao "Observador" que tinha consultado a informação, que até o tinha assumido na reunião do Grupo de Trabalho de Registos de Interesses, e tinha igualmente falado sobre o tema com o líder parlamentar do Bloco de Esquerda. No entanto, garantiu na SIC Notícias que não forneceu nenhuma informação para fora do grupo de trabalho, não sendo responsável por qualquer fuga de informação. Fabian Figueiredo, do BE, também rejeitou ser o responsável na rede social X.
Os deputados do PSD consideram a divulgação do processo um crime?
Sim. Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, foi o primeiro a colocar essa hipótese e anunciou que os sociais-democratas vão pedir à Entidade da Transparência para divulgar quem acedeu ao processo da Spinumviva.
Também Hugo Carneiro explicou na rádio "Observador" que não sabe qual é a configuração do crime, mas não tem dúvidas de que a divulgação da declaração foi ilícita. "Não sei exatamente qual é o crime, mas alguém que tem uma password com propósito para verificar um conflito de interesses, incompatibilidades e impedimentos e a usa para dar a terceiros, é óbvio que está a violar a lei. Admitimos todas as consequências que a lei penal permitir", disse.
E qual é a posição dos socialistas?
O socialista Pedro Delgado Alves considera que a matéria não está sujeita a sigilo profissional e que este só está tipificado na lei para profissões particulares, como os advogados ou médicos.
Pedro Nuno Santos foi mais longe e acusou o PSD de desrespeitar a liberdade de Imprensa, defendendo que Luís Montenegro já não deveria ser candidato a primeiro-ministro nas eleições legislativas de 18 de maio. "É grave que dirigentes do PSD estejam neste momento a tentar atacar aquilo que é o trabalho da comunicação social e dos jornalistas”, acrescentou.
Mas, afinal, o que diz a lei?
"Após a submissão da declaração única pelos Deputados à Assembleia da República e pelos membros do Governo, aquela fica no estado “Não publicada” por um prazo de 30 dias, durante os quais a Comissão parlamentar afere da existência de conflitos de interesses e procede à validação do registo de interesses", lê-se no artigo 24º do regulamento de normalização dos procedimentos para o registo informático das declarações únicas de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos.
Montenegro submeteu a declaração na noite de terça-feira, o que indica que as informações não foram validadas pela Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, nem pela Entidade para a Transparência.
E há deputados com acesso imediato às declarações?
Sim. O regulamento especifica que a "Comissão parlamentar competente em matéria de aplicação do Estatuto dos Deputados tem acesso em tempo real, na Plataforma Eletrónica da Entidade para a Transparência, à totalidade do registo de interesses constante das declarações únicas apresentadas”.
Os deputados que integram o grupo de trabalho para os registos de interesses são notificados quando uma nova declaração é submetida no sistema. Pedro Delgado Alves (PS), Hugo Carneiro (PSD), Rui Paulo Sousa (Chega), Patrícia Gilvaz (IL), Fabian Figueiredo (BE) e Paulo Muacho (Livre) são os deputados em questão.
Os membros do Governo e os deputados são obrigados a entregar a declaração?
Sim. A lei prevê o preenchimento obrigatório da declaração de interesses para os titulares de cargos políticos, altos cargos públicos e equiparados, nomeadamente membros do Governo e os deputados à Assembleia da República. O documento permite identificar eventuais impedimentos ao exercício do mandato e é entregue no prazo de 60 dias a contar a partir da data do início de funções. Além disso, o registo de interesses é público e disponibilizado no site da Assembleia da República.
A declaração de interesses do primeiro-ministro pode ser consultada?
Não, contrariamente ao que diz a lei não é possível aceder ao registo de Luís Montenegro. No site da Assembleia da República, as últimas declarações dos membros do Governo disponíveis são as do Executivo de António Costa.