Veio a público no início de novembro, lançando suspeitas de alegadas pressões da parte do presidente da República. Um mês depois, Marcelo revelou ter recebido um e-mail do filho a falar da necessidade de tratamento milionário a duas crianças luso-brasileiras, mas negou favorecimentos. A PGR está a investigar o caso.
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O que está em causa: tratamento caro, concessão de nacionalidade em 14 dias e alegado favorecimento de Marcelo
A 3 de novembro, a TVI exibiu uma reportagem a dar conta de que duas crianças gémeas, residentes no Brasil, tinham recebido um tratamento de 4 milhões de euros (medicamento Zolgensma) para a atrofia muscular espinhal. Segundo a peça jornalística, suspeitava-se de influência do presidente da República.
Daí para cá, o Governo caiu e Marcelo Rebelo de Sousa passou mais de uma semana em silêncio, explicando que queria dar espaço aos partidos. Falou menos vezes do que o habitual, e menos ainda sobre o tema das gémeas. Sempre que o fez, negou qualquer favorecimento.
Os pais das duas meninas, de nacionalidade brasileira, são amigos do filho do presidente, Nuno Rebelo de Sousa. As crianças receberam nacionalidade portuguesa em 14 dias, tendo o ministério da Justiça garantido que os prazos destes processos "não diferiram" do normal.
O SNS terá ainda comprado seis cadeiras de rodas, quatro delas elétricas, para as gémeas utilizarem. O custo rondou os 64 mil euros.
4 de novembro: Marcelo nega ter intercedido
No dia seguinte à reportagem, o presidente reagiu. Assegurou, de imediato, que não exerceu qualquer pressão sobre o caso, ocorrido em 2019.
"Não fiz [pressão]. Não falei ao primeiro-ministro, não falei à ministra [da Saúde], não falei ao secretário de Estado, não falei ao diretor-geral, não falei à presidente do hospital, nem ao Conselho de Administração nem aos médicos".
Marcelo sublinhou que a peça da TVI não o ligava diretamente ao caso. "Vendo a reportagem, ninguém aparece a dizer que eu falei. Ninguém. Diz-se, consta, parece que sim, parece que, parece que havia família [do presidente] que estava empenhada, por amizade, nisso. Mas ninguém [fala] em relação ao presidente".
Sobre as alegadas pressões levadas a cabo pelo seu filho, eventualmente invocando o seu nome, Marcelo realçou: "Só há um presidente. A família do presidente não foi eleita, não é presidente".
PGR e IGAS investigam o caso
A 6 de novembro, a Inspeção-Geral de Atividades em Saúde (IGAS) anunciou que tinha aberto um processo de inspeção ao caso das gémeas, "para verificar se foram cumpridas todas as normas aplicáveis a este caso concreto".
No dia 24 (sexta-feira) foi a vez de a Procuradoria-Geral da República (PGR) informar que também estava a investigar o caso: "O processo encontra-se em investigação no Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de Lisboa e, por ora, não corre contra pessoa determinada", esclareceu a PGR, numa nota enviada à Lusa.
28 de novembro: Marcelo diz que é tempo de o presidente "se apagar"
Na terça-feira seguinte, quatro dias após o anúncio do inquérito da PGR, o presidente da República saudou a referida investigação. "Foi aberto, e bem, um inquérito contra desconhecidos, e acho bem", frisou, acrescentando que sempre esteve "tranquilo" quanto ao caso.
Por esta altura, alguns setores da sociedade exigiam mais explicações sobre esta matéria, incluindo partidos como o Chega e a IL. Contudo, Marcelo - que tinha estado em silêncio (quase) absoluto durante mais de uma semana, continuaria sem dizer nada sobre este tema durante mais alguns dias.
Em plena crise política, e a propósito da convocação de eleições para março, o chefe de Estado sustentou que o presidente tinha "de se apagar" durante uns tempos, dando aos partidos espaço para clarificarem lideranças e apresentarem os respetivos programas.
30 de novembro: Marta Temido nega intervenção, Marcelo admite defender-se em tribunal
A ex-ministra da Saúde, Marta Temido, titular da pasta à data dos factos, recusou qualquer envolvimento nesta situação: "Não tive qualquer contacto com o presidente da República relativamente a este caso, nem dei qualquer orientação sobre o tratamento destas crianças", garantiu, em entrevista ao "Público" e à Renascença.
Temido também sublinhou que as crianças tinham o direito a ser tratadas mesmo que não morassem no país, uma vez que têm a nacionalidade portuguesa. "A lei é clara", destacou.
No dia seguinte, Marcelo disse que iria a tribunal caso alguém dissesse que favoreceu as gémeas: "Se vier a aparecer alguém que diga que eu o contactei ou que fiz qualquer pressão ou empenho ou pedido, aí eu sou o primeiro a ir a tribunal para esclarecer isso", avisou.
O ex-secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, também tem negado qualquer envolvimento.
4 de dezembro: Marcelo revela ter recebido e-mail do filho, mas nega favorecimento
Um mês após as primeiras notícias sobre o seu alegado envolvimento no caso, o presidente admitiu ter recebido um email do seu filho, em 2019, a alertá-lo para a situação. No entanto, negou "qualquer favorecimento" da sua parte e revelou que já enviou à PGR toda a documentação de Belém relativa às gémeas.
"Apurou-se que, no dia 21 [de outubro de 2019], o dr. Nuno Rebelo de Sousa, meu filho, me enviou um e-mail em que dizia que um grupo de amigos da família das crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar que elas fossem tratadas em Portugal", disse Marcelo, esta segunda-feira.
Segundo o presidente, o seu filho já tinha contactado o Hospital Dona Estefânia - que, por sua vez, lhe indicou o Santa Maria. Vendo que este último estabelecimento não lhe dava novidades, Nuno perguntou ao pai se se podia "saber se há resposta possível".
No mesmo dia, por despacho, Marcelo pediu ao seu chefe da Casa Civil que instruísse a então assessora para os Assuntos Sociais, Maria João Ruela, a recolher mais informações. Esta respondeu a Nuno Rebelo de Sousa que Santa Maria tinha recebido o processo, mas que a capacidade de resposta era "muito limitada".
O filho do presidente "voltou a perguntar" sobre o caso a Ruela e ao chefe da Casa Civil. Este último terá respondido que os casos "tratados nos hospitais portugueses" tinham "prioridade". Era isso que explicava a falta de resposta de Santa Maria, sendo que não seria "previsível" que esta chegasse "rapidamente".
Segundo Marcelo, a intervenção da Presidência terminou no dia 31, com o envio da comunicação - práti ca que salientou ser comum - ao chefe de gabinete do primeiro-ministro. E depois? "Isso não sei", limitou-se a responder.
Questionado sobre se tem condições para se manter no cargo, foi taxativo: "Certamente". Argumentou que não existe "um facto que envolva o mínimo de favorecimento de quem quer que seja".
5 de dezembro: Ministério da Saúde disponível para colaborar com investigações
Esta terça-feira, o ministério da Saúde garantiu estar "inteiramente disponível" para remeter às autoridades a documentação sobre as gémeas luso-brasileiras.
À Lusa, o secretário de Estado da Saúde, Ricardo Mestre, recusou comentar o caso. Contudo, garantiu que o ministério está "disponível para prestar toda a informação que lhe seja solicitada pelas autoridades competentes".
A IL informou que irá juntar o nome do atual ministro da Saúde, Manuel Pizarro, à lista de responsáveis que pretende ouvir sobre o tema. Os liberais pretendem auscultar a ex-ministra Marta Temido, o ex-secretário de Estado Lacerda Sales e a atual e antiga administração do Hospital Santa Maria.
11 de dezembro: pedido de averiguações da Ordem dos Médicos
Em comunicado, o Bastonário da Ordem dos Médicos anunciou que remeteu, no dia 11 de dezembro, para o Conselho Disciplinar da Secção Sul da Ordem dos Médicos, "um pedido de averiguações para apurar se existem ou não indícios suficientes da prática de infração disciplinar nos médicos envolvidos não só na atividade clínica, mas também em todo o processo de decisão nos seus vários níveis". Carlos Cortes esclareceu ainda que "não foi aberto nenhum processo disciplinar a qualquer médico no caso das gémeas luso-brasileiras que receberam tratamento para a atrofia muscular espinhal no Hospital de Santa Maria".
Um dia depois e, na sequência destas declarações, o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales considerou o inquérito aberto pela Ordem dos Médicos ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Portugal como uma "inqualificável intromissão na atividade de um órgão de soberania". "Relativamente ao processo de inquérito promovido pela Ordem dos Médicos, em que o bastonário Dr. Carlos Cortes pretende que seja apurada, entre outros, a minha atuação enquanto secretário de Estado, eu diria que mais me parece uma oportunidade para o Dr. Carlos Cortes usufruir dos seus cinco minutos de atenção e fama por parte da comunicação social", disse Lacerda Sales à Renascença.
13 de dezembro: primeira consulta das gémeas foi marcada pela Secretaria de Estado da Saúde
A presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN), Ana Paula Martins, disse, no Parlamento,que a auditoria realizada pelo Santa Maria revelou que a primeira consulta das gémeas brasileiras foi marcada pela Secretaria de Estado da Saúde, via telefone. Durante a audição na Comissão de Saúde , a pedido do PS e da IL, a presidente do Conselho de Administração revelou que, as outras oito crianças tratadas no Santa Maria com o Zolgensma, entre 2019 e 2023, ao contrário das gémeas luso-brasileiras, foram referenciadas para o hospital por centros de saúde ou por hospitais. Esclareceu também que "os dez doentes representam um custo de 16,4 milhões de euros para o orçamento do hospital, entre os quais 12,4 milhões de euros já pagos".
No mesmo dia, Luís Pinheiro, ex-diretor clínico do Santa Maria, admitiu ter havido uma "sinalização" por parte da secretaria de Estado da Saúde no caso das gémeas brasileiras, mas negou que tenha recebido qualquer contacto por parte da Presidência da República, do filho do presidente, ou de Lacerda Sales. Numa entrevista à RTP3, Luís Pinheiro confirmou que quando foi informado por uma médica do hospital sobre o caso das duas meninas, foi-lhe dito que o caso tinha sido "sinalizado" pela secretaria de Estado, mas negou a possibilidade de que a primeira consulta tenha sido marcada por parte de alguém da tutela, pois é o hospital que marca as consultas.