A noite das duas principais cidades mudou de forma radical. Muito menos gente nas ruas e mais sossego para os moradores das zonas que eram de azáfama. Proprietários reconverteram espaços e aproveitam esplanadas para atrair alguma clientela, tentando minorar os enormes prejuízos acumulados.
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Não é o deserto, mas quase. A noite de Porto e de Lisboa tem pouca gente, mas começa aos poucos a sair da sombra da pandemia e a tentar recuperar dos meses de confinamento absoluto. O recurso às esplanadas tem sido o expediente usado por vários empresários. Na semana em que o Governo criou novas regras para bares e discotecas, fomos sair à noite nas duas maiores cidades do país. Na Invicta, a animação consegue ser maior, porém, a milhas dos tempos em que as ruas da Baixa estavam inundadas de gente de copo na mão.
Com a pista de dança vazia, os bares do Porto reinventam formas para conseguir manter aceso o espírito da movida. No "É Prá Poncha", que fica em plena Rua das Galerias de Paris, apenas os funcionários ficam no interior do bar. Mas nem por isso deixou de haver animação. É que a noite está muito diferente, mas ali mantém-se a figura do DJ, que agora põe música de dentro do bar para os clientes que estão na esplanada.
A ideia é criar um ambiente em que os clientes se sintam confortáveis e consigam aproveitar a noite
"A ideia é criar um ambiente em que os clientes se sintam confortáveis e consigam aproveitar a noite", explica Nuno Correia, sócio-gerente, acrescentando que "apesar das mudanças" - num espaço que antes estava aberto das 17 às quatro horas da madrugada e agora pode fechar à uma da manhã - "o feedback tem sido positivo".
E muitas foram as coisas que mudaram. Numa noite de sexta-feira, só a partir das 22 horas começam a surgir, aos poucos, as primeiras pessoas naquela que antes era uma das artérias mais movimentadas da Baixa portuense.
Agora, são menos os jovens que por ali passam. Aos 20 anos, Francisco Brito e Faro explica o que, na sua opinião, contribui para essa diferença: "Agora os bares fecham muito cedo. Às 23 horas, era a hora em que antes eu estava a sair de casa, por exemplo". Também por isso o amigo Pedro Martins, 38 anos, não tem dúvidas: "Infelizmente, vejo que a noite do Porto mudou muito e agora as pessoas vivem a movida de outra forma", comenta o barman.
ntes da pandemia, numa noite de sexta-feira eu nem tinha tempo de fumar um cigarro. Agora, passa mais de uma hora e eu sem serviços
As esplanadas junto ao Jardim da Cordoaria são o reflexo da mudança. Quem por ali passa ao início da noite depara-se com uma imensidão de gente sentada, num espaço onde antes centenas de pessoas aproveitavam para beber e dançar ao ar livre. Ali perto, junto aos Clérigos, Mário Silva, motorista da UBER, confessa que agora o tempo custa mais a passar. "Antes da pandemia, numa noite de sexta-feira eu nem tinha tempo de fumar um cigarro. Agora, passa mais de uma hora e eu sem serviços".
Aos 43 anos, Paulo Rocha, garante que as alterações nas saídas à noite vão muito para além da utilização da máscara. "Já não vinha à Baixa desde fevereiro e encontrei uma cidade quase deserta. Mudaram os hábitos, as pessoas, a música.... Mudou tudo", conclui.
São 23 horas de sexta-feira. No Bairro Alto, em pleno coração de Lisboa, Vanessa Ramos tem a Rua do Diário de Notícias, uma das mais movimentadas, quase só para ela. Passeia o cão à vontade sem ter de pensar em caminhos alternativos para fugir à confusão - que agora não existe - de um dos centros da vida noturna da capital. "Antes, desviava-me e ia por outras ruas, com menos gente. Agora, ando por todas", diz. A luz dos candeeiros públicos confunde-se com a que vem de dentro das casas, que as janelas abertas agora deixam ver.
Quem não dormia noite após noite começou, finalmente, a dormir. Talvez se esteja a recuperar um bairro de antigamente, quando se convivia à soleira da porta
Pelas ruas do labirinto de bares de Lisboa já não se ouve música e há menos movimento. Efeitos da pandemia covid-19, que devolveram o sossego e as noites de sono pelas quais muitos ansiavam. "Quem não dormia noite após noite começou, finalmente, a dormir. Talvez se esteja a recuperar um bairro de antigamente, quando se convivia à soleira da porta", acredita Luís Paisana, presidente da Associação de Moradores do Bairro Alto, que durante anos recebeu queixas por causa do barulho até de madrugada.
Na Rua da Atalaia, distinguem-se alguns grupos, principalmente de estrangeiros, mas sem copo na mão. A proibição do consumo de álcool na rua, as rondas da PSP constantes e o encerramento dos snack-bares às 23 horas não permitem que seja de outra forma. "É estranho ver as ruas vazias e ter de beber o vinho a correr porque não posso pôr o resto num copo de plástico", lamenta Cláudia Costa, à saída de um snack-bar que acaba de fechar. O amigo José Souto sente o mesmo. "O Bairro Alto vive de se beber na rua, não é isto", diz.
Receita não dá para as despesas
Uma nova realidade que preocupa quem luta por manter os bares abertos. "Há dias em que não vem ninguém e, quando vem, com o limite de pessoas lá dentro, é difícil faturar", diz Tiago Loureiro, responsável pelo Bar da Esquina. Manuel Araújo, dono do Manny´s Place, também está preocupado. "As pessoas vêm menos porque não há nada para fazer depois de jantar. O que recebo não dá para as despesas", garante.