Mais de 10% dos bebés são de mães de outras nacionalidades. Fixação no litoral faz com que esse número tenha peso ainda maior em Lisboa, Setúbal e Faro.
Corpo do artigo
No ano passado, houve oito distritos portugueses em que fixaram residência mais estrangeiros do que nasceram bebés. São eles Lisboa, Leiria, Setúbal, Faro, Coimbra, Beja, Castelo Branco e Bragança. Lisboa foi o distrito com mais crianças nascidas em 2019 (23 880) mas, ainda assim, não chegaram para ultrapassar os estrangeiros que ali fixaram residência, que foram quase o dobro (47 438). Bragança é, dos oito, aquele em que nasceram menos crianças e também o que teve menos moradores oriundos de outros países, mas que, ainda assim, ultrapassaram o número de bebés.
"Nós sabemos que a imigração e as entradas em Portugal são um contributo extremamente importante para a dinâmica da população, para não diminuir tanto ou aumentar ligeiramente", frisa, ao JN, a investigadora na área da demografia Maria João Valente Rosa.
"Sabemos também que as entradas têm efeito sobre o número de nascimentos. Só em 2019, 12% são filhos de mães que têm nacionalidade estrangeira. São mais do que um em cada dez nascimentos", prossegue.
Os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) mostram que fixaram residência no país 110 048 estrangeiros. Mas só nasceram 86 564 filhos de mães (portuguesas e de outras nacionalidades) a residirem nos 18 distritos e regiões autónomas, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) consultados pelo JN.
Filhos no país de acolhimento
De acordo com a professora universitária, há vários fatores que motivam a chegada de estrangeiros ao nosso país. Mas o principal prende-se com os motivos económicos. "Uma importante fatia que fixa residência no país à procura de trabalho tem entre 20 e 50 anos, que são as idades mais férteis. E as pessoas acabam por ter filhos no país de acolhimento". Há também os que chegam a Portugal por razões não laborais, em que as idades estão mais perto da reforma. "Estamos a falar dos britânicos, franceses, italianos", disse.
Os que chegam à procura de trabalho ou por razões económicas instalam-se nos locais com maior oferta de emprego e acabam também por contribuir para o aumento da natalidade nesses distritos. A investigadora destaca que, enquanto a média nacional em 2019 de filhos de mães de outras nacionalidades é de 12%, em quatro dos distritos com mais estrangeiros do que bebés esta percentagem foi largamente ultrapassada.
"Em Lisboa, a percentagem foi de 22%". O mesmo se verificou em Faro (23%), Setúbal (18%) e Beja (14%). "A questão de Beja é bastante interessante. É um distrito que, porventura, está a atrair populações por razões económicas e sociais sobretudo ligadas ao setor primário", mais concretamente na apanha de frutos vermelhos. Já nos restantes distritos com mais estrangeiros, Bragança, Castelo Branco, Coimbra e Leiria, a percentagem de crianças de mães não portuguesas é inferior à média nacional.
Sobre os distritos do interior, "cada um tem a sua especificidade". O número de nascimentos é reduzido, mas o de estrangeiros também não é muito significativo. Em 110 mil estrangeiros, 885 fixaram residência em Bragança e 1570 em Castelo Branco. "É uma percentagem que equivale a 2%", frisa.
Quando vou com o bebé na rua, costumo dizer que ele tem muitas avós
"Quando vou com o bebé pelas ruas de Penamacor, demoro o dobro do tempo a chegar ao destino. As senhoras aproximam-se, querem fazer festas e pegar nele. Costumo dizer que ele tem muitas avós por aqui". Noélia Rodriguez, espanhola de 34 anos, instalou-se há dois anos com o marido, Lief Stone, 33 anos, natural do País de Gales, neste concelho do distrito de Castelo Branco. Trouxeram o filho mais velho, de seis anos, que entrou este ano no 1.º Ciclo. Em janeiro, e porque o benjamim pedia um irmão, os pais fizeram-lhe a vontade: Luka nasceu loiro-dourado como o pai e o irmão.
Penamacor é um dos concelhos mais despovoados do país. Faz fronteira com outros territórios com o mesmo "mal": Idanha-a-Nova e Sabugal (Guarda) e ainda com a região da Estremadura espanhola.
Quando nasce um bebé em Penamacor é uma festa. Em 2011, de acordo com os Censos, habitavam neste concelho 2 481 pessoas com mais de 65 anos. Os jovens até aos 14 eram cerca de 400. E a perda de população tem sido contínua: em 2011, havia menos 14, 7% de habitantes; em 2001 a descida tinha sido de 18%.
"Vivíamos no País de Gales, também na ruralidade mas com o sonho de, quando tivéssemos dinheiro suficiente, comprar uma quinta. Lá os terrenos são muito caros. Procurámos em Espanha, viemos duas vezes a Portugal, visitámos o Norte e viemos aqui parar. Soubemos de um terreno numa freguesia a poucos quilómetros da vila e comprámos uma pequena casa em Penamacor", conta Noélia, garantindo que o sonho está concretizado.
"Somos muito bem tratados, ajudam-nos com as crianças, por exemplo, dão-nos roupa dos netos. É muito engraçado", conta a mãe. A família queixa-se apenas da burocracia estatal.
"Os serviços são mínimos. Conheço famílias estrangeiras que aqui se instalaram e têm muitas dificuldades em resolver casos pessoais. Felizmente falo bem português e percebo a língua". Contudo, nem por conhecer a língua as coisas ficam facilitadas.
"Estou desde janeiro a aguardar que se resolva o pedido de passaporte para o bebé. Já passaram nove meses! Se o meu marido tiver uma emergência com a família dele, só pode ir ele e o meu filho mais velho, porque o Luka não pode sair do país", lamenta. Por isso, Noélia pondera criar uma espécie de gabinete para ajudar os muitos estrangeiros que vivem e pensam instalar-se na região. Texto: Célia Domingues
Não temos problemas com ninguém, vivemos com tranquilidade
Ao contrário de outras aldeias transmontanas, com ruas quase sempre desertas, em Parada, Alfândega da Fé, ouvem-se crianças a rir e a correr. Ao início e fim do dia há movimento, com a partida e chegada dos trabalhadores rurais para o campo e das crianças que vão para a escola.
Para este bulício contribui a família de Nayden e Cventanka Gadjev, ali radicada há quatro anos, com três filhos, de 15, 7 e 6 anos, que andam na escola em Alfândega da Fé. Não se sentem sós, pois em Parada vivem mais de três dezenas de conterrâneos. Crianças, jovens e adultos fazem uma comunidade que está a mudar a aldeia. Há mais população, agora - na ordem dos 120 habitantes - e a média de idades rejuvenesceu. "É estar longe de casa, mas sem estar assim tão afastado, porque tenho cá muita gente do meu país", explica Nayden.
Tal como outros imigrantes do Leste da Europa, sobretudo búlgaros, Nayden trabalha na agricultura, ao sabor da sazonalidade das culturas e das estações do ano. "Vamos à vindima, à azeitona e à apanha de fruta. O nosso maior problema é a falta de trabalho certo. Andamos à jeira. Recebemos o rendimento social de inserção e o abono de família, temos ajuda na renda de casa. Não é muito dinheiro, mas é uma base que nos permite sobreviver quando não há trabalho".
Gostavam de continuar em Parada. Vivem numa casa com condições razoáveis, de uma proprietária que tem várias arrendadas a estrangeiros. "Ficar depende de ter ou não trabalho. Isto vale para mim e para os outros búlgaros. Gostamos de estar cá. Já vivi em França, Jugoslávia e Espanha, mas aqui estou melhor. Não temos problemas com ninguém. Vivemos com tranquilidade", sintetizou Nayden, que lamenta que algumas das outras famílias ainda não tenham ajuda do Estado.
Os búlgaros estão a contribuir para o aumento da população de Parada e até para alguns locais aumentarem os rendimentos, com o pagamento das rendas das casas, e já são uma boa parte dos braços da agricultura do Vale da Vilariça.
"Pelo menos agora há mais movimento, mais carros e muitas crianças e adolescentes na rua", referiu a presidente da Junta da União das Freguesias de Parada e Sendim da Ribeira, Ana Pereira, garantindo que enfrentam os mesmos problemas que os nativos que vivem da agricultura: a sazonalidade do trabalho e a necessidade de ir para outros concelhos consoante a época das culturas. Texto: Glória Lopes