O abandono e envelhecimento da população do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) é uma realidade incontornável, e quem ali quer viver e investir tem de lidar com uma malha apertada de entraves inerentes à gestão do território como área protegida. Ainda assim, há quem teime em permanecer, fazer vida e produzir por vezes de forma obstinada, aproveitado as potencialidades da serra.
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Mel, fumeiro, produção animal, fruticultura e ervas medicinais e aromáticas são alguns dos produtos que vingam "num contexto difícil", como refere Ana Paula Vale, coordenadora do RevitAgri-PNPG. Um projeto que recentemente fez o levantamento das empresas do setor agroalimentar em atividade no parque. E constatou a necessidade de "um modelo de gestão aproximado aos produtores". "Percebe-se que tenha de haver regras, mas tem algum consenso entre essas regras e a produção", afirma Ana Paula Vale.
O RevitAgri apostou também na divulgação de exemplos inspiradores de sucesso em áreas protegidas no estrangeiro, para promover a esperança em relação ao PNPG. "Temos um potencial incrível no parque e pode melhorar, se as pessoas se sentarem à mesa e perceberem que é possível construir caminho. O objetivo do nosso projeto foi inquietar, provar aos produtores, aos gestores e aos políticos da região que é possível fazer mais e melhor", apelando à "capacidade de resiliência" e união dos empresários locais.
Apicultura
José Costa lamenta burocracia do parque
Trabalhou 13 nas portagens da Brisa. Aos 39, com a crise, saiu da empresa e entrou no negócio da apicultura. Vive em Lavradas, Ponte da Barca, e atualmente tem oito apiários, cada um com 80 colmeias, espalhados pela serra, entre aquele concelho e o vizinho de Arcos de Valdevez. Produz cerca de 10 toneladas de mel por ano: de urze e carqueja (escuro) e castanheiro e eucalipto (mais claro). Vende para o mercado nacional, Alemanha e França com a marca "JC mel das serras do Parque Nacional da Peneda-Gerês". "Tem corrido maravilhosamente. Adoro esta atividade", diz o apicultor, que se revela um apaixonado pelas abelhas. Casado com uma bancária, pai de dois filhos com 16 e 17 anos, vive daquela atividade e é dos produtores mais novos da sua zona. Lamenta "a burocracia" do PNPG. "Eu tive a sorte de comprar apiários que já estavam instalados, porque chegar aqui e investir no parque, esqueça. Só no turismo. Na agricultura não é fácil. São muitos entraves".
Fumeiro
Palmira Fernandes fala de desilusão
Tem vontade de desistir e vender a sua empresa de fumeiro "Delícias do Planalto" de Castro Laboreiro, Melgaço. A proprietária da fábrica artesanal, instalada na aldeia de Rodeiro há 20 anos, diz que o negócio das chouriças, salpicão e presunto castrejos prospera. Produz quatro toneladas por mês e vende para Portugal, França, Alemanha e Luxemburgo, mas fala de "desilusão". "Abrimos com muita vontade e ilusão, mas ficamos muito desiludidos porque as despesas são muito grandes. O Governo devia deitar a mão às aldeias", desabafa.
Ex-emigrante em França de onde trouxe a ideia do fumeiro, Palmira dá emprego a cinco pessoas. O filho de 45 anos, por quem abriu a fábrica, deixou o negócio e emigrou para França há seis. "Gente nova aqui há muito pouca e a velha vai indo", diz a empresária, concluindo: "As regras dentro do parque são tão grandes. É pena, porque esta é uma terra remota, mas que vale a pena trabalhar".
Vacas com GPS
Arnaldo Rouceiro diz-se um resistente
É empresário há 17 na área da produção animal em Gavieira, Arcos de Valdevez. Possui cerca de uma centena de cabeças de gado. Usa um sistema de GPS para evitar perdas. O aparelho, colocado numa coleira ao pescoço do bovino, permite-lhe localizar os animais na serra, detetar quando uma vaca dá à luz e recolher a cria, protegendo-a de ataques do lobo.
Arnaldo diz-se "um resistente" num território abandonado e sujeito a restrições. "Estive três anos à espera de licenciar uma exploração de suínos e não conseguia legalização do espaço. Eram muitos pareceres de várias entidades. Acabei por ficar com produção apenas para consumo próprio", afirma.
Aponta o dedo "ao imenso obstáculo que são as leis do parque". O estábulo que construiu para abrigar o gado no inverno e as crias tem ordem de demolição. O caso arrastou-se nos tribunais e chegou a última instância. "Tenho esperança que isto se resolva", diz.
Ervas medicinais
Bruno Lopes tem uma loja no café
Emigrou para a Suíça aos 17 e regressou à terra aos 25 para criar um negócio próprio. Abriu um café em Lamas de Mouro, Melgaço, no rés do chão de uma casa da família. E a seguir dedicou-se também às ervas medicinais e aromáticas. Colhe plantas silvestres na serra de maio e julho que, depois de secas e embaladas, são vendidas para infusões que curam as mais variadas maleitas. Abertónica para dores fortes, carqueja para anemias e colesterol, urze para problemas intestinais e sintomas pré-menstruais, freixo para emagrecimento, oliveira para perda de peso e tensão alta, louro anticancerígeno e recomendado para a boa digestão são alguns dos seus 10 produtos da marca "N&B". Também fabrica licores de ervas e mel. No seu café tem uma loja, onde vende a produção e também os enchidos de Palmira e o mel de José Costa. "Não é fácil viver e investir no parque. É para os que nascemos cá, estamos habituados e não baixamos os braços".
A saber
Gestão partilhada
A ADERE - Peneda-Gerês defende a gestão partilhada do parque. A associação que agrega Montalegre, Arcos de Valdevez, Terras de Bouro, Ponte da Barca e Melgaço quer que municípios tenham, juntamente com o ICNF, poder de decisão na dimensão das vacarias, áreas de pastoreio e florestais, construção urbana em terrenos afetos ao parque e na visitação.
Geminação com EUA
O parque oficializou há dias uma geminação com o congénere Parque Nacional North Cascades, em Washington, nos EUA, para troca de experiências e conhecimentos na área da conservação e do ambiente.