São escassas mas coerentes e com uma filosofia que prometem não trair. O Porto tem poucas casas com jazz ao vivo. Resistentes, não desistem e acreditam que a qualidade está acima de tudo, recusando ceder à tentação do mais fácil. Manter músicos e música em cima do palco é regra de ouro.
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São menos do que as notas musicais os bares com jazz ao vivo no Porto. Por paradoxal que possa parecer, o panorama não é assim tão mau apesar da escassez de espaços do género. Dizem os promotores, dizem os músicos e diz o público, que acorre com cada vez mais frequência a estes templos. Contas feitas, é possível ouvir jazz apenas em quatro pontos do Porto que se dedicam em exclusivo à causa. Todos separados geograficamente entre si, todos unidos na causa comum de poder oferecer com qualidade e regularidade um género musical que nasceu quase de gueto e que tenta escapar ao preconceito de ser destinado somente a um nicho. São eles o Hot Five Jazz & Blues Downtown (no Largo Ator Dias, na Batalha), o Hot Five Jazz & Blues Uptown (no antigo Cinema Nun'Álvares, na Rua Guerra Junqueiro), o Porta Jazz (na Rua João das Regras, a dois passos da Praça da República) e o Mirajazz (nas Escadas do Caminho Novo, em Miragaia). A oferta, aparentemente curta, tem vindo a crescer. Muito à boleia do turismo e dos turistas, assim colmatando o encerramento mais ou menos recente de outros bares com idêntico propósito, como o Tribeca, na Rua de 31 de janeiro, ou o Jazz Story, na Rua do Conde de Vizela. Há outras paragens, como o Embaixada Lomográfica (na Praça de Carlos Alberto) ou o Ferro (na Rua da Madeira) onde existem atuações de jazz, mas apenas pontuais.
Riscos calculados
"É caro manter um bar de jazz onde seja possível envolver músicos de qualidade e programação regular. Tem custos de produção que nem todos estão dispostos a suportar", justifica Rui Marques, 44 anos, que em julho de 2017 lançou o Mirajazz, em pleno Centro Histórico. "Um projeto destes é um risco que tem que ser bem calculado e gerido", explica.
Com atividade permanente entre abril e outubro, o Mirajazz foge ao conceito tradicional. Funciona ao ar livre numa larga varanda com vistas privilegiadas para o rio Douro e não numa sala pequena e escura, e os concertos que proporciona são sempre durante a tarde e não à noite. "Tentámos desde o início desmistificar o ambiente fechado e escuro a que o jazz está colado. E tem resultado. Temos sempre os 60 lugares repletos, com muitos portugueses que já se tornaram clientes habituais e estrangeiros que vêm ao Porto e não dispensam ouvir bom jazz", assinala Rui Marques.
O Hot Five Jazz & Blues Uptown é a novidade mais recente. Teve o duplo condão de adicionar mais um destino ao mapa do jazz no Porto e de requalificar o antigo cinema Nun'Álvares, na Rua de Guerra Junqueiro, encerrado desde 2006 depois de 47 anos de atividade ininterrupta. Abriu este ano, em abril. As atuações ao vivo são de quarta-feira a domingo e conta com uma Hot Band, orquestra específica de jazz que a cidade não tinha. Formada por 16 músicos, teve estreia em palco na última quinta-feira à noite e deu ao Nun'Álvares ares de casa cheia, como as que a memória resgata dos tempos em que a velha sala às portas da Boavista, agora totalmente remodelada e modernizada - "sem que isso lhe tenha desvirtuado as origens", sublinha Alberto Índio, o mentor, dinamizador e proprietário do Hot Five - se enchia de público amante de cinema em tela grande.
Músico e empresário, Alberto Índio viu no Hot Five Jazz & Blues de Guerra Junqueiro oportunidade para expandir o projeto original, que leva o mesmo nome e há 15 anos pontifica no Largo do Ator Dias, vizinho da Muralha Fernandina e poiso reconhecido para quem quer ouvir jazz na Invicta. É a casa mais antiga do género da cidade, com concertos específicos de quarta a domingo. "Somos procurados por muitos portugueses, claro, mas também por imensos turistas que vêm ao Porto e querem ouvir jazz", conta. Instalado numa casa discreta, quase invisível a quem passa pela zona da Batalha, o Hot Five Jazz & Blues Dowtown é a grande casa resistência do Porto. Surgiu numa altura em que as rotas do turismo se desviavam da cidade, assistiu ao surgimento das massas, consolidou-se com a visita regular de público estrangeiro. "Manter a qualidade é o grande segredo. Não é fácil, é verdade, mas é necessário que o conceito seja sempre coerente e para que a casa saia permanentemente credibilizada", revela Alberto Índio. A luz lá dentro é fosca, as mesas altas e as paredes estão pejadas de fotografias dos imensos concertos que aquela geografia testemunhou. E há um saxofone que impera em cima do balcão, como que a lembrar que ali quem manda sempre é o jazz.
Um hub criativo
Filosofia singular tem o Porta Jazz. Salvo raras exceções, só sobem ao palco deste bar na Rua de João das Regras músicos jovens formados na mítica Escola de Jazz do Porto, as composições apresentadas têm de ser obrigatoriamente originais e há a possibilidade de quem por lá passa poder gravar um álbum - até à data foram lançados 55. Nesta pequena sala de pé-direito baixo e ambiente à meia-luz, há concertos todos os sábados sem preço estabelecido à partida, com a sugestão da doação de cinco euros para poder ajudar organização e artistas. "Além disso, tentamos levar o jazz do Porto a todo o Norte do país", conta Paula Silva, produtora da Porta Jazz, associação que é também responsável pelo único festival de jazz realizado no Porto (ler peça ao lado). "Somos uma espécie de hub criativo, queremos dar oportunidades a novos músicos que, de outra forma, não teriam oportunidade de se mostrar", sublinha. Um caminho diferente, é certo, mas com um princípio comum às das restantes (poucas) casas que se dedicam ao jazz no Porto: o amor à música e o desejo de promover com qualidade um estilo que se quer único mas transversal.