Ota. A promessa do aeroporto que nunca chegou deixou uma herança eterna
O Governo anunciou que o novo aeroporto de Lisboa vai ser construído em Alcochete e mergulhámos num novo capítulo de um processo que se arrasta há mais de 50 anos e que foi deixando marcas pelo país. Durante uma década, a localização na Ota foi dada como certa e a decisão deixou uma região inteira em suspenso.
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Estávamos no verão, em 1999, era António Guterres primeiro-ministro, quando a localização foi finalmente anunciada: o novo aeroporto de Lisboa ia ser construído na Ota. O debate já se arrastava desde 1969, quando se percebeu que o aeroporto Humberto Delgado era demasiado pequeno para a afluência, a Ota há muito que era dada como certa, estudos atrás de estudos. Estava tomada a decisão. Os aviões iam levantar voo naquela freguesia de Alenquer, de espírito de aldeia, quintas a perder de vista, serra de Montejunto em pano de fundo. E eis que começava assim uma história que atravessou três Governos e que deixou um concelho em suspenso, à espera do que nunca chegou. O país arrasta-se em torno da decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa há mais de 50 anos - foi anunciado, há dias, que a infraestrutura, que se vai chamar Luís de Camões, irá nascer afinal em Alcochete - e, pelo caminho, entre avanços e recuos, entre crises económicas ou questões ambientais, foi deixando marcas irreversíveis.
Recuemos, pois, no tempo. Naquela altura, há mais de vinte anos, o anúncio fez aumentar a procura por terrenos em torno da antiga Base Aérea N.º 2 (onde o aeroporto iria ser instalado), os preços dispararam, o Município recebia pedidos e pedidos de licenciamentos para construção, viveu-se a especulação imobiliária. Um rebuliço completo, segundo dita a memória de Jorge Riso, antigo presidente da Câmara de Alenquer e antes disso vereador, agora afastado das lides políticas. “De Alenquer para sul, sobretudo na zona do Carregado, a construção cresceu. Depois ainda nasceu a Ponte da Lezíria (inaugurada em 2007), falava-se muito também no TGV, tudo na expectativa do futuro.” Os acessos rodoviários a Alenquer até foram melhorados, só que o reverso da medalha foi duro, demasiado duro para a população. Foram impostas medidas restritivas à construção num raio enorme em torno do prometido aeroporto. “Aí não se podia construir, ficou tudo condicionado aos pareceres da ANA, que eram extremamente restritivos. Chegou-se ao cúmulo de ser negada autorização para se fazer uma chaminé num churrasco. Muita gente que tinha os seus terrenos e queria construir casa viu vedada essa intenção, acabou por ter de se mudar para outros lados.”