São já 326 as denúncias de abusos sexuais na Igreja Católica Portuguesa. Aos 16 casos remetidos ao Ministério Público vão juntar-se mais "quatro a seis".
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Entre as 326 denúncias já recolhidas, há casos de padres que terão cometido abusos sexuais de menores em "confissões feitas antes das comunhões ou casamentos", contou Pedro Strecht ao JN. Mas também em sacristias e durante acampamentos católicos. Até agora, 16 denúncias foram encaminhadas para o Ministério Público, às quais se deverão juntar brevemente "mais quatro a seis", porque têm menos de 20 anos e escapam, assim, ao prazo legal de prescrição, adiantou ainda o pedopsiquiatra.
Os depoimentos, 326 até segunda-feira, são de pessoas hoje com idades entre os 15 e os 89 anos, e maioritariamente de homens (60%). Segundo Pedro Strecht, coordenador da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal, revelou ao JN, "no início havia mais depoimentos do Norte e do Centro, inclusive Trás-os-Montes, mas agora já não". "Temos do Alentejo, Algarve e ilhas. Temos mais casos onde há mais pessoas, Lisboa e Porto. Não consigo dizer se há um distrito que seja predominante sobre outro nesta fase".
Testemunhos de uma grande verdade e sofrimento
As declarações foram dadas na terça-feira à margem da conferência "Abuso Sexual de Crianças: Conhecer o Passado, Cuidar do Futuro", na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Durante a conferência, Pedro Strecht assumiu que "quatro meses ainda é muito pouco tempo para tanto trabalho" e admitiu que haverá mais casos. "Em mais de metade dos testemunhos, as pessoas apontam com elevado grau de certeza a possibilidade de existirem mais vítimas", disse. Ana Nunes de Almeida, socióloga e também membro da comissão, disse que o número deverá subir para "muitas centenas de crianças e adolescentes".
Daniel Sampaio, psiquiatra que fez algumas das entrevistas presenciais às 326 vítimas de abuso, também membro da Comissão, disse que ouviu "testemunhos de uma grande verdade e sofrimento". "Ninguém inventa uma história daquelas. Temos a certeza de que são depoimentos verídicos e credíveis".
Bispos falam todos
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Confrontado com as recentes declarações do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, que considerou "descabido" falar em encobrimento de abusos por responsáveis da Igreja, Pedro Strecht apelou a que não haja "ocultação da ocultação". "É sabido e claro que existiu ocultação em várias situações por membros da Igreja Católica Portuguesa. O que pedimos neste momento e em todo o trabalho futuro é que não se faça de novo ocultação da ocultação".
O pedopsiquiatra explicou ainda que "há uma pequena questão de linguagem, porque ela tem, de verdade, um peso jurídico diferente e que é aquela que nos leva do encobrimento à ocultação".
Além das vítimas, a Comissão Independente está a entrevistar os membros da Igreja Católica, um trabalho que prevê concluir até ao final deste ano. Segundo Ana Nunes de Almeida, cinco dos 21 bispos das dioceses portuguesas que ainda não tinham respondido aos pedidos de entrevista da Comissão Independente já responderam "positivamente". "Todos vão conceder entrevista. Neste momento, a maioria já foi entrevistada", adiantou ao JN, sem avançar quantos.
"Cuidar" dos abusadores
Durante a conferência, o líder da Conferência Episcopal salientou que "é igualmente importante cuidar daqueles que causam os problemas". "Não é fácil, mas é fundamental, para que simplesmente não executemos penas, mas tentemos evitá-las no futuro", disse. Uma ideia partilhada pelo padre Anselmo Borges, que afirmou que "também os abusadores devem receber a devida assistência espiritual, médica e psicológica".
O sacerdote disse ainda que não foi só a Igreja que falhou e deixou recados ao Estado. "A Igreja falhou do ponto de vista de deveres e obrigações morais, mas o Estado também. O Estado que cumpra também os seus deveres".
Pedro Strecht, que colaborou no apoio às vítimas do processo Casa Pia, disse ainda ao JN que "este processo não atingirá as mesmas dimensões". "É muito diferente. Na Casa Pia havia um processo jurídico a decorrer e aqui não vamos ter isso".