Zero, Sciaena e ANP/WWF temem desperdício de 300 milhões de garrafas por ano. Industriais dizem que recolha seletiva é mais eficaz com ecopontos.
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Ambientalistas dizem que o Governo se prepara para desrespeitar a lei no sistema de depósito de embalagens descartáveis para favorecer a indústria, temendo o desperdício de 300 milhões de garrafas por ano. O setor considera que a introdução de um sistema de pagamento de uma tara pelo consumidor é menos eficiente e mais cara do que os ecopontos. O Ministério do Ambiente e da Ação Climática nega que o processo esteja fechado.
A afirmação é taxativa: "Zero, Sciaena e ANP/WWF sabem que o Governo está a ponderar desrespeitar a lei" de 2018, que obriga à existência, a partir de 2022, de um sistema de depósito de embalagens de bebidas não reutilizáveis em plástico, metais ferrosos, alumínio e vidro nos supermercados.
"Por pressão da indústria que coloca no mercado as garrafas de vidro descartáveis [marcas e distribuidores], o Governo está a ponderar retirar as embalagens de vidro desse sistema", afirmam a Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, a Sciaena - Oceanos, Conservação, Sensibilização e a Associação Natureza Portugal (ANP/WWF).
"Tivemos uma reunião com a Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem. Disseram que não gostam da solução, porque fica mais cara do que os ecopontos", disse, ao JN, Susana Fonseca, da Zero. A ambientalista reconhece que as garrafas de vidro são as mais difíceis de gerir, mas insiste ser necessário garantir a recolha de 90% das embalagens abrangidas: "70% dos sistemas de depósito existentes na Europa incluem o vidro", sustenta.
"Os países com maiores taxas de reciclagem do vidro não têm um sistema de depósito", contraria, ao JN, a secretária-geral da AIVE, Beatriz Freitas. Espanha tem uma taxa superior a 75%, devido à "aposta forte no número de ecopontos disponíveis", exemplifica.
E o frasco da compota?
"Será sempre necessário a manutenção do atual modelo de recolha seletiva por ecopontos, para gerir resíduos de embalagens não abrangidos pelo sistema de depósito". Os seus custos "podem ser três ou quatro vezes superiores aos atuais" e há outros custos ambientais, como "mais sacos e caixas para armazenar e novas rotas de transporte".
Por outro lado, ao retirar as embalagens de bebidas do fluxo de vidro nos sistemas municipais de gestão de resíduos, aumentarão os custos unitários para os municípios, que passam a gerir menos quantidade de vidro, mas têm de manter as infraestruturas, explica. E o consumidor terá de transportar para as lojas as embalagens de vidro abrangidas pelo sistema (uma garrafa de sumo, por exemplo) e de levar ao ecoponto as que ficam de fora (um frasco de compota...).
O Governo ainda não se pronuncia. "Estão a ser analisados vários cenários" para "estudar a solução que melhor garanta a correta gestão dos resíduos e o cumprimento das metas nacionais, não existindo qualquer decisão", respondeu o Ministério do Ambiente.
"É necessária uma análise completa, de custo-benefício, para apoiar a definição do modelo económico e regulatório do novo sistema, que "garanta a maior eficácia possível" e não transfira impactes ambientais e implicações "na organização e responsabilidades de várias entidades".
Vantagens
Por cada tonelada de casco de vidro para reciclar, a indústria reduz 1,2 toneladas de matérias-primas virgens. Por cada aumento de 10% de casco no forno, diminui em 3% o consumo de energia e em 5% as emissões de dióxido de carbono (CO2).
Desperdício
Todos os anos são lançadas no mercado nacional 600 milhões de garrafas (250 mil toneladas). Metade vai para aterro, incineração ou é abandonada.
Metas
Até 2011, Portugal deveria reciclar pelo menos 60% das embalagens de vidro. Em 2018, reciclou 51,3%. Em 2025, o país terá de processar 70%. Em 2030, a meta é de, pelo menos, 75%.