Quase 80% das pessoas com esclerose lateral amiotrófica (ELA) ficaram sem terapias durante a pandemia e mais de metade viu a doença progredir. Para quem corre contra o tempo, numa doença crónica, degenerativa e irreversível, o confinamento foi "dramático". Amanhã, comemora-se o Dia Mundial da ELA.
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A vice-presidente da Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA), Eulália Ribeiro, diz que a "covid-19 veio agravar situações já por si carentes". Os resultados do inquérito que a APELA fez a 42 portugueses que têm a doença revelam que 71% dos que viram as terapias suspensas não tiveram alternativa.
"Apoio domiciliário, terapias e consultas ficaram suspensas. Agravou-se a sensação de estarem sozinhos", diz Eulália. A APELA suspendeu em março as terapias da fala ou fisioterapia, mas tentou acudir a necessidades de medicação ou alimentação. "Fizemos pontes com farmácias, juntas de freguesia, associação SOS Vizinhos. Tivemos que ser criativos".
A maioria das consultas ainda não foi retomada e as terapias vão começando mas com equipas reduzidas. "Estamos preocupados, principalmente com doentes ventilados, que estão numa fase mais avançada e vulnerável da doença. O dia, para estas pessoas, não tem o mesmo número de horas".
A pandemia também foi madrasta para quem tinha acabado de levar com o "balde de água gelada". "Alguns tinham acabado de ser diagnosticados. A doença é muito impactante e precisa de uma preparação para as perdas que vão sofrer. Não houve tempo para isso".
Descontrolo dos sintomas
As perdas são muitas. "Vão perdendo o andar, o engolir, o falar, ficam presos dentro do próprio corpo. E a angústia de ver passar o tempo, o desespero, agrava tudo isto". Também por isso, a APELA alerta para as consequências da suspensão das juntas médicas. "Estes doentes precisam de um atestado de incapacidade multiusos para terem acesso a equipamentos de apoio. O processo já era moroso e isto vai atrasá-lo brutalmente".
A médica Luciana Frade, que trabalha com esta patologia e está a terminar o mestrado em cuidados paliativos, diz que o SNS "não consegue dar resposta a estes doentes". "Ou têm a sorte de haver na área de residência uma equipa comunitária de cuidados paliativos, ou recorrem ao privado". Na pandemia, a falta disso refletiu-se num descontrolo dos sintomas.
"A falta de fisioterapia, o atraso em receberem ventiladores. Tudo isso agrava a doença". Não se conhece a causa, mas sabe-se que alguns filhos de pais com ELA herdam a doença. O físico britânico Stephen Hawking morreu ao fim de 55 anos de diagnóstico. É caso raro. "Não vemos disso no dia a dia. Os doentes têm menos de uma década de vida".
Números
800 portugueses sofrem de ELA, uma doença neurológica, degenerativa, rara e sem cura. No Mundo há cerca de 70 mil doentes. A esperança de vida oscila, em média, entre os dois e cinco anos.
76% dos doentes inquiridos pela APELA confirmam que as suas consultas foram adiadas, a maioria por mais de dois meses. A doença evolui de forma galopante e a APELA pede prioridade para estes doentes na retoma da atividade do SNS.