Confinamento ditou alteração nas preferências de quem escolhe uma habitação, a qual, em muitos casos, passou também a ser o local onde se exerce a atividade profissional. Ter um espaço próprio para o teletrabalho é agora "obrigatório". Varandas, jardins e terraços estão também muito mais valorizados.
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Casas com espaços ao ar livre, de preferência privados, e interiormente versáteis, de forma a poder criar pequenos escritórios ou áreas de estudo. A pandemia de covid-19 teve reflexos quase instantâneos na preferência dos portugueses na escolha de um lugar para viver. A procura por moradias disparou e, para quem não tiver orçamento para tal, há fatores que passaram a ser fundamentais, como a existência de varandas e terraços. Houve até projetos que estavam em curso e que pararam para ser reformulados de forma a contemplarem este tipo de espaços.
"Uma casa deixou de ser o sítio onde as pessoas depositam o seu corpo ao fim do dia. As famílias decidiram apostar nela como um sítio de vivência", resume Rui Torgal, diretor-geral da ERA Portugal, que não tem dúvidas quanto aos aspetos que saíram mais valorizados. "Naturalmente, espaços exteriores maiores e locais para teletrabalho, porque, durante o confinamento, muitas famílias, com os filhos a ter aulas online e os pais a trabalhar, sentiram que estavam todos encavalitados uns nos outros", observa.
Guida Sousa, coordenadora nacional da Decisões e Soluções, confirma a tendência e diz "que toda a gente passou a querer casas com três/quatro quartos" e acrescenta um pormenor curioso: "O que verificamos, muitas vezes, é que o quarto maior é para o escritório".
A par de "casas-escritório", as famílias, sobretudo as que têm filhos ainda crianças, passaram a valorizar propriedades com espaços ao ar livre. É o caso de Hugo Leite, de 33 anos, e da mulher, Bruna Silva, de 32, que vivem num apartamento em Nogueira, Braga, mas que adquiriram uma moradia em Ruães, numa zona afastada da zona urbana da cidade minhota.
Temos um filho de 3 anos, que gosta de correr e brincar, como todas as crianças, e aqui pode fazê-lo em total segurança
"A covid veio ajudar na decisão", conta ao JN Urbano o marido, admitindo que a necessidade de a família se sentir em segurança falou mais alto. "Temos um filho de 3 anos, que gosta de correr e brincar, como todas as crianças, e aqui pode fazê-lo em total segurança", acrescenta, sublinhando que o sonho é agora a nova casa estar pronta a tempo do Natal. "Dá mais tranquilidade para reunir a família", observa.
Também do centro de Braga quiseram sair Camila Alencar, de 29 anos, e Cristina Mota, de 40, ambas emigrantes brasileiras. "Viemos de São Paulo para Braga, onde vivemos 13 meses num apartamento do centro, e agora comprámos este terreno com 4000 metros quadrados na Póvoa de Lanhoso, onde instalámos a nossa casa", revela Camila, acrescentando que o confinamento acelerou a decisão da mudança. "Já tínhamos pensado procurar um espaço assim, mas faltava-nos a coragem para avançar. Eu estive muito tempo fechada em casa, porque sou asmática e, com a pandemia, percebemos ainda melhor a importância de poder desfrutar do ar livre", justifica.
Houve muitos investidores que pararam projetos para os redefinir, de modo a que contemplassem terraços ou varandas
Mas há também os que não têm capacidade financeira para adquirir uma moradia, mas que na procura de um apartamento olham agora a aspetos que antes da pandemia eram mais irrelevantes. Patrícia Barão, diretora da área residencial da JLL, sublinha que "as pessoas estiveram completamente fechadas e agora tudo o que valorizam é ter um espaço exterior" e destaca que "a procura de casas com terraços disparou". A responsável pela JLL - consultora imobiliária que realizou o inquérito "Nova Vida, Nova Casa" (ler caixa) - revela ainda que "houve muitos investidores que pararam projetos para os redefinir, de modo a que contemplassem terraços ou varandas".
No plano oposto, famílias com carteiras mais recheadas apontam a casas de segunda habitação. Ana Jordão, diretora da área residencial da Predibisa, dá nota de uma "procura crescente por propriedades fora do centro urbano, numa vertente de refúgio ou retiro". Estas são usadas, sobretudo, para fins de semana e férias.
As pessoas não acreditam que a pandemia vá passar. Acham mesmo que a vida mudou e estão a adaptar-se a essas transformações
Uma realidade também destacada por Rui Torgal, da ERA Portugal. "Há uma tendência para comprar uma casinha mais pequena, que possa funcionar como "um refúgio" em caso de haver uma aglomeração maior ou agravamento de casos nos centros urbanos", sublinha.
A avaliar pelos testemunhos recolhidos pelo JN Urbano, a mudança de paradigma acentua-se, independentemente dos avanços e recuos do combate à covid-19 . "As pessoas não acreditam que a pandemia vá passar. Acham mesmo que a vida mudou e estão a adaptar-se a essas transformações", observa Patrícia Barão.
Já Maria João Valente Rosa, docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, reconhece que "a casa ganhou uma nova centralidade" e veio alterar as próprias relações de trabalho. Já quanto ao "êxodo urbano" sugerido por alguns, deixa algumas reticências. "O isolamento tem os seus limites", adverte e relembra que "há uma série de ofertas nas cidades, que não existe na periferia".
A socióloga reconhece que, neste momento, a tendência é para "o afastamento dos grandes centros", mas manifesta dúvidas quanto "ao que vai ficar disto". "É uma incógnita", conclui a socióloga