O ano mais longo da Humanidade fica marcado pela covid-19. Mas, se a doença respiratória aguda do coronavírus é o pior do ano, o melhor é o seu reverso: a descoberta da vacina em tempo recorde.
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Coletivamente, estamos naquele momento liminar em que temos que decidir o que vamos recordar de 2020 e o que queremos esquecer. Impacientes, vulneráveis, inevitavelmente tristes, atravessamos com impotência o ano mais longo da Humanidade, um ano de vertigem e incredulidades. Crentes agora no contrário do epigrama da Lei de Murphy - "Qualquer coisa que possa correr mal, correrá mal e no pior momento possível" -, vemos a vacina da covid-19 levantar-se para alumiar o novo ano que trará o maior desejo de todos: imunidade coletiva. Gritantemente, a terrível doença respiratória do novo coronavírus marcou o ano que hoje termina e continuará a marcar, incontestadamente, o novo ano.
Janeiro/Fevereiro 2020
Vem aí um tsunami e um pavor mundial
O que aí vinha, a levantar-se sem vermos, não era menos do que um tsunami viral - e que ia cair sobre o Mundo todo. A 11/1, a primeira notícia: a China anuncia a morte de um doente provocada por um novo coronavírus, em Wuhan. Dia 22 é relatada a primeira infeção em Macau, que chega a 24 à Europa, com dois casos em França. Dia 30, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara "emergência de saúde pública internacional" e a 11/2 revela: a nova infeção tem nome oficial: covid-19. O resto de fevereiro precipita-se: dia 15 dá-se a primeira morte em França; a 23 surge o primeiro infetado português (Adriano Maranhão, no navio atracado em Yokohama, Japão); a 26 a infeção chega ao Brasil; e a 27, a OMS aumenta para "muito elevada" a ameaça da doença, com 79 mil infetados na China e 5 mil no resto do Mundo. Os chineses espantam-nos: em dez dias constroem novos hospitais só para a nova doença viral.
Março/Abril
Primeiro português a morrer de covid-19
"Temos de nos preparar para o pior, desejando que aconteça o melhor": numa sexta-feira 13 António Costa anunciou fecho de escolas, teletrabalho e confinamento em casa. Antes, a 2/3 confirmam-se os dois primeiros infetados em Portugal. A 4/3, Itália apavora: já tem mais de 100 mortos. A 11/3, a OMS declara: a covid-19 é uma pandemia, abre-se "a maior crise sanitária do nosso tempo" e o novo vírus ganha o cognome de "Inimigo da Humanidade". O inevitável chega a 16/3: morre o primeiro português de covid, Mário Veríssimo, 80 anos. Dia 17 é erguida a cerca sanitária à volta de Ovar e dia 18 o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, decreta o primeiro estado de emergência desde 1974. A União Europeia interliga-se na luta e aprova 37 mil milhões de euros de investimento público para combater a crise da pandemia, cabendo a Portugal 1,8 mil milhões. Abril ainda vê um número colossal: os EUA são o primeiro país do Mundo com um milhão de infetados por covid-19.
Maio/Junho
Habituamo-nos ao novo palavrão: lay-off
Maio abre com a passagem do estado de emergência para situação de calamidade e as primeiras proibições de circulação entre concelhos. No Parlamento já é obrigatório usar máscara e o Governo PS aprova várias medidas de proteção ao emprego, moratórias para pagamento diferido de rendas e apoios extraordinários ao turismo, o setor mais afetado pela crise. O palavrão lay-off , sobre a suspensão temporária/diminuição de contratos de trabalho, entra no léxico comum. Organizações do setor social repetem o alarme: o vírus da fome já está entre nós. Em junho estávamos assim na pandemia nacional: 1400 mortos, 33 mil infetados.
Julho/Agosto
No verão houve um dia com zero mortes
O epicentro da crise pandémica passa do Porto para Lisboa, que tem 19 freguesias da sua Área Metropolitana em situação de calamidade, com restrições severas nos serviços ao público. A 3 de junho, por cada 10 mil habitantes existiam 32,6 casos confirmados de covid-19 em Portugal. É também no verão que se multiplicam as ajudas estatais europeias às companhias de aviação, que estão já submersas "na crise do milénio". É em agosto, com cafés e restaurantes limitados em horários e espaços de serviço, que o Governo dá a possibilidade de bares e discotecas abrirem, mas com as regras das confeitarias. Antes de julho já o sabíamos: os festivais de música de verão foram todos cancelados e remarcados para 2021. 3 de agosto marca uma data feliz: este foi o único dia sem mortes por covid-19 em Portugal. O país tinha então estes números: 1738 mortes e 51 569 casos de infeção.
Setembro/Outubro
Projeções de crise devastam economia
Um estudo da Comissão Europeia com projeções económicas anuncia dados devastadores da crise no setor do turismo: quase 12 milhões de empregos desta área podem extinguir-se - em Portugal, a região mais afetada é o Algarve, que viveu uma pequena bolha de esperança no verão com a afluência massiva de turistas portugueses às praias do sul. Mas aquele estudo não dá ânimo e diz que a queda da economia nacional pode ser mais severa do que o estimado, abeirando-se de uma nova recessão: o crescimento para 2021 fica reduzido, na projeção, a 1,7%, muito longe dos 5,4% pelo Governo e por Bruxelas. Há outros cálculos que assustam nas contas da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, que Portugal integra com 36 países: a primeira e a segunda vagas da pandemia, na primavera e no verão, fizeram desaparecer dois terços do emprego criado nos últimos anos pelo Governo - dos 364 mil novos empregos, 224 mil podem ter sido extintos.
Novembro/Dezembro
Recorde de mortes mas finalmente vacina
O último mês do ano regista, literalmente, o pior e o melhor da pandemia. O pior é um número recorde de mortes num só dia, a 11 de dezembro, quando faleceram 95 portugueses vítimas de covid-19. O melhor do ano chegaria logo depois do Natal: no dia 27, um domingo, Portugal dá início ao seu plano especial de vacinação contra o coronavírus. António Sarmento, médico infecciologista do Porto (ler ao lado) é o primeiro português a quem é administrada a nova vacina, no caso produzida pela Pfizer. O primeiro cidadão do Mundo a recebê-la foi uma mulher, Margaret Keenan, de 91 anos, a 8 de dezembro, no Reino Unido; o primeiro homem, com 81 anos, chama-se William Shakespeare. Último gráfico do primeiro ano da pandemia: em todo o Mundo há agora 82 milhões de infetados e já morreram 1,8 milhões de pessoas. Em Portugal: 406 051 infetados; 6830 mortos; 331 recuperados da doença viral.
Terceiro Trimestre 2021
Imunidade de grupo será atingida no verão
Portugal, assim como toda a União Europeia, deve alcançar a imunidade de grupo através da vacinação no terceiro trimestre de 2021, já em pleno verão - é o que dizem as projeções da empresa de análise internacional Airfinity. A imunidade coletiva atinge-se quando pelo menos metade da população estiver vacinada, ou seja, cerca de cinco milhões de portugueses. Estados Unidos da América, o país mais afetado pela pandemia (19,9 milhões de infetados; 346 mil mortos, dados Worldometer) será o primeiro a alcançar a imunidade de grupo - a meta será cruzada no segundo semestre de 2021, juntamente com Canadá e, depois, Reino Unido. A América Latina terá de esperar ainda por 2022, a China (1,3 mil milhões de habitantes) pelo final desse ano e a Rússia e a Índia só lá chegarão em 2023.
Graça Freitas é a Figura do Ano
No dia 1 de dezembro de 2020, Graça Freitas, de 63 anos, testou positivamente à infeção com covid-19, após contacto com uma pessoa infetada, apresentando, revelou depois a própria "só sintomas ligeiros". Confinada em casa, a médica portuguesa esteve isolada durante três semanas. No final, a 21 de dezembro, quando voltou ao trabalho, tranquilizou o país: "Estou grata porque a natureza me permitiu passar bem por tudo isto". Funcionária estatal relativamente anónima antes de 2020, Graça Freitas é desde 2018 diretora da Direção- -Geral da Saúde e a maior autoridade de saúde nacional, valor inerente ao cargo de diretora da DGS. No espaço de nove meses, a principal porta-voz em questões de saúde pública em Portugal tornou-se no mais mediático rosto da crise pandémica ao surgir diariamente na apresentação dos boletins da pandemia. Escolhida como Figura Nacional do Ano pelo leitores do JN, Graça Freitas está já a usar o seu exemplo profilático: "Tive sempre um cuidado extremo desde o início, mas sou a prova viva de que esta doença, por muitos cuidados que apliquemos no dia a dia, nunca tem risco zero".