Associações alertam para dificuldades de garantir tratamentos e pedem comparticipação de medicamentos.
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A pandemia travou as consultas de obesidade, denunciam as associações que representam os doentes. Hoje, assinala-se o Dia Mundial da Obesidade, uma patologia que afeta 1,5 milhões de pessoas. O Ministério da Saúde diz que em 2020 foram operados 1104 utentes e, em dezembro, estavam 1433 em lista de espera.
Por causa da covid-19, "há muita gente à espera da primeira consulta", denuncia Carlos Oliveira, presidente da Adexo, a Associação de Doentes Obesos e Ex-obesos de Portugal.
No Hospitalar de Coimbra foram realizadas, em 2020, 650 primeiras consultas, - em 2019 houve o dobro (1216)- e 163 cirurgias, quando em 2019 tinham sido 179. Pelo contrário, no Hospital de São João, no Porto, em 2020 realizaram-se 2342 primeiras consultas, quando em 2019 haviam sido 1639.
Para além deste problema, "as pessoas sem indicação para cirurgia não têm qualquer apoio e os medicamentos custam entre 120 e 250 euros por mês, sem comparticipação", acrescenta Carlos Oliveira.
Paula Freitas, presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), corrobora a dificuldade no acesso às consultas e a importância de os fármacos serem comparticipados. "A maioria das pessoas não faz tratamento por causa dos custos", diz, sublinhando que a obesidade tem associadas cerca de 200 doenças (como a hipertensão e diabetes) e 13 cancros.
Segundo a Associação Nacional de Farmácias, os medicamentos para perda/tratamento de peso sujeitos a receita médica aumentaram em 2020 cerca de 0,8%, quando em 2019 o aumento havia sido de 14,5%. Os que dispensam receita médica sofreram, no ano passado, uma quebra de 13,1%, quando em 2019 tinham aumentado 15,4%. Os produtos para emagrecimento tiveram uma queda de 19,4% em 2020, contra um crescimento de 5,3% em 2019.
Hoje, a SPEO e a Adexo lançam o alerta "Recalibrar a balança", onde pedem, entre outras medidas, a comparticipação de medicamentos e a necessidade de consultas de obesidade nos cuidados de saúde primários. Atualmente são apenas nos hospitais, para quem tem obesidade mórbida e precisa de cirurgia.
Prioridade nas vacinas
A Associação Portuguesa de Obesos e Bariátricos e a Associação Portuguesa de Bariátricos (Apobari) reiteram que as consultas têm estado "paradas" na sequência da pandemia. Marisa Marques, a presidente da entidade, pede ainda que estes doentes sejam considerados de risco para serem "vacinados", pois a obesidade é um fator de risco acrescido em caso de infeção por covid".
Para ajudar a lidar com a obesidade de forma precoce, o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral de Saúde, lança hoje um manual, explicou a diretora, Maria João Gregório. O trabalho dos últimos anos, aponta, já tem dado resultados, havendo uma "tendência de diminuição da prevalência de excesso de peso" nas crianças, que atualmente ronda os 29,6%.
Outros dados
Causas
As causas da obesidade incluem fatores genéticos, psicológicos, comportamentais e fatores externos, como a educação, nível de rendimento, acesso a cuidados de saúde e interesses comerciais.
Intervenção precoce
A DGS lança esta quinta-feira o manual "10 recomendações para uma alimentação saudável e segurança durante a gravidez" e guias de acompanhamento. A intenção é atuar da forma o mais precoce possível.
Tendência
O relatório da Federação Mundial de Obesidade prevê que, em 2025, haja entre a população adulta e infantil, 2,4 milhões de pessoas com obesidade e Portugal.
À lupa
16,9% da população adulta do país sofre de obesidade, segundo o Inquérito Nacional de Saúde do INE em 2019. Um total de 53,6% tem excesso de peso.
26% das pessoas inquiridas durante o primeiro confinamento aumentaram de peso, aponta o Programa Nacional para uma Alimentação Saudável.
Reportagem
Tinha de fazer alguma coisa para viver mais
Nuno Viana não quis esperar pelo público e fez operação no privado. Perdeu mais de 40 quilos.
Quando, há dois anos, o pai faleceu, Nuno Viana, chefe de vendas numa empresa farmacêutica, percebeu a urgência de mudar para não repetir o ciclo com o filho. O pai era obeso e ele, aos 45 anos, pesava cerca de 124 quilos. O seu filho tinha oito anos e Nuno não conseguia "jogar à bola e correr" com ele, porque se cansava depressa. Isso "magoava emocionalmente" e custava mais do que ser conhecido como "Big", a alcunha que ganhara nos tempos de faculdade, quando deixou de jogar andebol e de fazer exercício físico. Ou do que a dificuldade de encontrar fatos que lhe servissem nas lojas ou fazer mergulho à vontade.
Quando procurou ajuda, Nuno Viana, residente em Gaia, sofria de apneia do sono, colesterol elevado, risco cardiovascular por ter perímetro abdominal grande e sabia que estava "a caminho de outras patologias" associadas à obesidade. "Tinha de fazer alguma coisa para me sentir melhor e viver mais tempo, por mim e pelo meu filho", diz.
Decidiu-se a deixar para trás mais de duas décadas de obesidade, com várias dietas sem sucesso pelo meio, e não estava disposto a aguardar pelo "demorado processo" no SNS, que lhe diziam poder demorar "três anos ou até mais".
Em 2019 procurou ajuda e, em dezembro, foi operado (cirurgia de porta única) no Centro de Inovação Médica. A intervenção, a par com um programa de acompanhamento médico com consultas de especialidade, ascendeu a "cerca de 10 mil euros". Mas a balança desceu para os 81 quilos e ganhou a "qualidade de vida" por que ansiava. Agora, trabalha para manter os bons hábitos alimentares e tenta fazer exercício. Sabe bem que "só a cirurgia não resolve".