Pandemia trava caça e deixa matilheiros sem dinheiro para alimentar os animais
Proprietários das 762 matilhas registadas, com muitos milhares de cães, ficaram sem receita e dependem da solidariedade.
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Depois de uma época de caça sem montarias, impedidas pelo estado de emergência decretado para mitigar a pandemia de covid-19, os matilheiros portugueses estão desesperados. O presidente da Fencaça - Federação Portuguesa da Caça, Jacinto Amaro, diz que tem conhecimento de matilheiros "que têm contraído dívidas para manter os animais".
Sem o aluguer das matilhas, a faturação ficou a zero. Mantêm-se as despesas inerentes à manutenção dos cães, como a vacinação, licenciamento, registo de matilha, autorização de transportador, registo prévio de canil, gastos com veterinários, alimentação e bem-estar animal. Mesmo com a entrada em vigor, hoje, do estado de calamidade, a época das montarias é retomada entre outubro e final de fevereiro. Até lá, matilhas e matilheiros continuarão parados.
Não tem sido fácil
Filipe Fortunato, matilheiro em Agrochão, em Vinhais, tem cerca de 30 cães e admite que a sua manutenção não tem sido fácil. "Só não desisti pela amizade que tenho aos animais e o grande vício pela caça", contou.
A atividade do aluguer das matilhas era muito útil para a manutenção do bem-estar animal. Cobravam 250 euros mais IVA, por cada montaria. "Fazia umas 10 por ano. As receitas eram uma ajuda para comprar a alimentação para os cães", refere o matilheiro.
Para ajudar a minimizar os problemas dos que se dedicam à atividade, a Associação Portuguesa de Matilhas de Caça Maior lançou uma campanha nacional para angariar donativos, que servem para comprar ração. Os alimentos estão a ser distribuídos a matilheiros de todo o país. A associação tem contado com ajudas de particulares, associações de caçadores, juntas e municípios, como a Câmara de Vinhais, que disponibilizou apoio aos oito matilheiros do concelho.
Segundo os dados facultados pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas estão registadas 762 matilhas no país. À associação chegaram 83 pedidos de apoio urgente, para um total de 3850 cães. "Estamos a ajudar com a entrega de ração", referiu o presidente da associação, António Ramos.
Os dias mais difíceis
Filipe Fernandes, outro matilheiro, residente em Cisterna, Vinhais, está na atividade há 24 anos e nunca enfrentou dias tão difíceis como este ano. A sua matilha de 33 cães faz uma despesa mensal considerável. "Qualquer ajuda é bem vinda para quem não faturou nada", admite o matilheiro, que faz questão de ter os animais bem tratados. "Dói-me o coração, porque os cães estão presos. Precisavam de ir para o campo e treinar. Antes da covid, nos meses das montarias, tínhamos os fins de semana todos preenchidos", explicou.
Depois, há todo o trabalho que teve a treinar os cães, alguns demoram três ou quatro anos a estarem aptos, "e agora está tudo parado", lamentou.
O presidente da Associação de Matilheiros, António Ramos, põe ainda a tónica na sobrelotação da população de javalis, decorrente da não realização das montarias. "Estragam as culturas agrícolas. Já estão a começar nas vinhas. Vamos propor ao ICNF o uso das matilhas na realização de enxotas, a partir de julho, para que os javalis fujam para a montanha e, assim, defender a agricultura", adiantou.
Montaria na Azambuja
Herdade da Torre Bela ainda não depôs no caso da matança
"A Sociedade Agrícola da Quinta do Convento da Visitação (SAQCV) não foi, até ao momento, notificada para prestar declarações", assegura ao JN fonte dos proprietários da herdade, após a matança de 540 animais de grande porte, em dezembro de 2020, na Torre Bela, de que é proprietária. "A SAQCV aguarda as conclusões dos inquéritos que estão a decorrer", acrescenta a mesma fonte, e prevê manter a atividade cinegética suspensa na zona de caça Azambuja, pelo menos, até ao final desta época de caça.
O inquérito instaurado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas concluiu que houve o "abate de um excessivo número de exemplares de espécies cinegéticas, associado a fortes indícios de uma gestão não sustentável da exploração do efetivo de caça", documento que foi remetido para o Ministério Público. A SAQCV também apresentou uma queixa-crime contra Mariano Morales, da empresa promotora da caçada Monteros de la Cabra, e contra desconhecidos. Os caçadores espanhóis que participaram na montaria só tinham autorização para abater 65 javalis e 40 veados e gamos.