A Assembleia da República aprovou na quarta-feira, na especialidade, a limitação dos atos processuais que afastam das fases de instrução e julgamento os juízes que tenham intervindo na anterior fase de inquérito. A revisão da lei, reivindicada pelos magistrados, incide sobre uma norma do pacote anticorrupção que, em março, alargara os impedimentos dos juízes.
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Em causa está a proibição de um juiz dirigir a instrução de um processo com o qual tenha tido contacto durante a investigação, liderada pelo Ministério Público.
O alargamento dos impedimentos teve origem num proposta, de 2021, na qual o Ministério da Justiça defendia que deviam ficar impedidos de decidir se uma acusação tem condições para seguir para julgamento os magistrados que, no inquérito, tivessem aplicado medidas coativas como proibição de contactos ou prisão preventiva.
Só que, no Parlamento, os impedimentos acabaram, por proposta do PSD e com o acordo do PS, por passar a abranger qualquer ato processual praticado pelo juiz na fase de inquérito. Paralelamente, a lei passou a determinar que qualquer ato praticado na instrução impediria o juiz de intervir na fase seguinte, de julgamento do caso.
Em março deste ano, a lei entrou em vigor. Na altura, já o Conselho Superior da Magistratura alertara para o caos que se iria seguir nos tribunais, por alegada falta de juízes. Desde então, foram adiadas centenas de diligências.
Já na presente legislatura, o Ministério da Justiça decidiu corrigir a lei, recuperando a proposta inicial do Governo. Essa formulação foi ontem aprovada na Comissão dos Assuntos Constitucionais, com votos a favor de PS, IL e Chega e com críticas de PSD, PCP e BE, que se abstiveram. Os restantes não participaram na votação.
Proposta do PSD chumbada
Ainda antes da reunião, os sociais-democratas propuseram que, além das medidas de coação, os impedimentos abrangessem também o interrogatório de um arguido, a autorização para serem realizadas buscas a determinadas entidades e feitas interceções telefónicas e a tomada de conhecimento de correspondência apreendida. A proposta acabaria chumbada.
"Não podemos em outubro pensar uma coisa, e agora, porque há uma série de críticas, mudamos radicalmente. [...] É uma proposta absolutamente equilibrada, que salvaguarda as preocupações dos magistrados e a tramitação dos processos", defendeu Mónica Quintela (PSD), lembrando que o "espírito da lei" é garantir a "imparcialidade" dos juízes.
A opinião foi secundada por Alma Rivera, do PCP, enquanto o deputado bloquista Pedro Filipe Soares considerou que as críticas que se ouviram nos últimos meses resultam da "falta de recursos humanos e meios nos tribunais".
Na resposta, Cláudia Santos (PS) frisou que o que tem sido posto em causa é só uma norma sem relação com o combate à corrupção e não as "soluções inovadoras" do pacote em vigor desde março.
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Falta validação
A proposta aprovada ontem terá ainda de ser validada pelo Plenário da Assembleia da República, em votação final global. Depois, seguirá para o presidente da República, para promulgação.
Tinha sido unânime
O pacote anticorrupção, no qual se insere a norma sob críticas, tinha sido aprovado pela Assembleia da República, em novembro, por unanimidade. O Chega não participou na votação.
Alerta do Conselho
O Conselho Superior da Magistratura alerta que a lei pode ser inconstitucional quanto às regras de recurso para o Supremo. O PSD propôs alterá-la, o PS rejeitou.