Mãe começou por relatar o caso a D. José Policarpo no fim da década de 90. Igreja não denunciou pároco à polícia e só o afastou das paróquias em 2001.
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O cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, soube de uma denúncia de abusos sexuais a uma criança de 11 anos por parte de um padre da diocese de Lisboa, mas não denunciou o caso, ocorrido no final da década de 90. O cardeal chegou a encontrar-se com a vítima, em 2019, então já com 40 anos, mas terá ocultado o crime porque o homem que sofreu os abusos não quis tornar o caso público. O JN tentou perceber quais as medidas tomadas perante este caso, mas o patriarcado de Lisboa não esclareceu.
Um padre que no final da década de 1990 exercia funções em duas paróquias da zona oeste do distrito de Lisboa, na região das Caldas da Rainha, é suspeito de ter abusado sexualmente de crianças. A mãe de uma das alegadas vítimas denunciou o caso, na altura ao cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, e três décadas depois convenceu o filho, já adulto, a contar a D. Manuel Clemente o que lhe acontecera. Encontraram-se em 2019, mas, segundo o patriarcado de Lisboa, o homem "não quis divulgar o caso", manifestando apenas vontade de que os abusos não se repetissem.
está hospitalizado
Há mais de 30 anos, a mãe terá suspeitado da que considerava ser excessiva proximidade física do padre com as crianças. Alguns anos depois, o filho acabou por confidenciar-lhe que o sacerdote teria abusado dele e de outros menores. O patriarcado de Lisboa confirma que "recebeu uma queixa contra um sacerdote por alegados abusos sexuais" e que, "na altura, foram tomadas decisões tendo em conta as recomendações civis e canónicas vigentes". Contudo, não as concretiza.
O caso não foi denunciado à Polícia e o padre continuou a trabalhar naquelas duas paróquias até 2001. No ano seguinte, o sacerdote passou a ser capelão num hospital de Lisboa, funções entretanto cessadas uma vez que está hospitalizado com uma doença terminal, apurou o JN.
comissão denuncia à PJ
O padre Manuel Barbosa, secretário e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), também confirmou ao JN que "na altura [o caso] foi falado", mas não revela pormenores. "Não posso entrar em detalhes porque não sei. Cada caso é tratado em sede própria pelas respetivas instâncias competentes", disse, acrescentando que a CEP está disponível para "a procura da verdade e acompanhamento das vítimas".
O patriarcado diz que "desconhece qualquer outra queixa ou observação de desapreço sobre o sacerdote" em causa e que "a Comissão Diocesana de Proteção de Menores não recebeu qualquer denúncia ou comunicação sobre o caso".
A denúncia só chegou às mãos da Polícia Judiciária recentemente, através da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja, que entrou em funções em janeiro deste ano. O patriarcado de Lisboa garante estar disponível para "colaborar com as autoridades".
O coordenador da comissão, Pedro Strecht, não comenta o caso e, numa nota de imprensa, diz apenas que revelará à Justiça "nomes de alegados abusadores", entre outros dados, "no final do trabalho, para o Ministério Público e a Conferência Episcopal Portuguesa".
Justiça
Dos 17 casos, Ministério Público arquivou três
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja, criada em janeiro, já validou 338 denúncias. Destas, 17 casos que não tinham prescrito e visando padres no ativo foram remetidos ao Ministério Público. A Procuradoria-Geral da República confirmou ontem ao JN ter aberto 10 inquéritos, dos quais três já foram arquivados: um por prescrição, outro porque "os factos já tinham sido objeto de julgamento e condenação" e um terceiro por falta de meios de prova. Dois dos casos arquivados diziam respeito a situações em Cascais e o outro em Vila Real.
Pedro Strecht, porta-voz da comissão, garante que todos os depoimentos recebidos que "configurem possíveis situações não prescritas serão sempre enviadas diretamente para o Ministério Público e Polícia Judiciária, quando exista já nesta instância queixa anteriormente reportada".
Detalhes
PJ apela à denúncia
A Judiciária alertou que os casos eventualmente prescritos também devem ser remetidos às autoridades, já que os suspeitos continuam no ativo.
Novos dados
A Comissão Independente não comenta casos particulares e diz que novas informações sobre a investigação em curso serão dadas em devido tempo.
O que diz a CEP
As diretrizes publicadas pela CEP em 2021 para lidar com casos suspeitos - na sequência das orientações do Papa Francisco - ditam que os bispos devem dar seguimento às denúncias de modo a promover a investigação.