"Depois de as pessoas começarem a ficar em casa, parece que tiveram uma epifania: toda a gente se lembrou que podia adotar um cão, e houve um aumento explosivo da procura". É Sónia Rodrigues quem conta a realidade vivida desde o início da pandemia na associação Midas, em Matosinhos, mas o relato encontra eco em várias associações de proteção animal.
Corpo do artigo
As que o JN ouviu, constatam que "há mais pedidos de adoção", mas a maioria suspendeu a entrega de animais, para conter as "adoções impulsivas".
Os argumentos dos potenciais adotantes para justificar o desejo de acolher um animal abandonado vão desde uma "maior disponibilidade" até "pedidos de crianças". "Notámos que há mais interesse em adotar, o que nos deixa apreensivos, porque não sabemos até que ponto são adoções responsáveis", diz Ana Ceriz, que dirige a associação maiata CãoViver, e aponta "um aumento de cerca de 60% dos pedidos de visitas".
"O que pesa mais é o facto de as pessoas estarem sozinhas, porque [ao adotar] recebem uma novidade que lhes vai ocupar o tempo e distrair. O problema é o depois, e é o que me preocupa. Porque [a adoção] corre bem durante a quarentena, mas quando as pessoas voltarem às rotinas habituais, não vai ser muito saudável", analisa Ana Ceriz, que parou as adoções por antever que estas pudessem "constituir um grave problema daqui a um ou dois meses, porque os animais podem ser devolvidos".
Desculpa para sair de casa
"Há mais pedidos de adoção, mas, na minha perspetiva, não são responsáveis. Não confiámos nas adoções que estão a ser feitas neste momento, porque parece-nos que é para ocupar o tempo. Os telefonemas que temos recebido são de pessoas que querem companhia e de pais que estão com crianças em casa e querem entretê-las", revela a presidente da Associação Quatro Patas e Focinhos, da Mealhada. Mas Salomé Dias aventa outro motivo - inconfessado por quem contacta - para o súbito interesse por cães abandonados: "São uma desculpa para sair de casa".
Também Rita Sousa, da Associação dos Amigos dos Animais de Santo Tirso, conclui: "As pessoas estão em casa, de quarentena, e querem ter um motivo para sair. Quando isso acabar, a família entrega o animal". A voluntária da instituição, que suspendeu as adoções no início de março, afirma que "as pessoas estão a adotar de forma impulsiva", e verifica um aumento de interessados. "Todos os dias temos pessoas a pedir. Normalmente, não tínhamos nenhum pedido, e dávamos um cão a cada quatro meses ou meio ano. Agora, temos três a quatro pedidos por dia", estranha.
"Temos de refrear muito os ímpetos, porque queremos adoções conscientes e responsáveis", vinca Sónia Rodrigues, da Midas, que criou "uma nova estratégia para encaminhar os animais para adoção", a partir de "uma análise e triagem para perceber as motivações" dos adotantes (ver barra ao lado). "O "boom" na procura de cães" da Midas também foi sentido em Espinho, na Patinhas sem Lar, que atribui o facto à "solidão".
Lucília Pereira, da Associação Cantinho Animais dos Açores, questiona: "Neste momento, as pessoas têm mais tempo para interagir com um animal. Mas depois, quando voltarem à vida normal, terão esta disponibilidade?".
Subida
60 por cento de aumento nos pedidos de visita aos animais foi registado pela associação CãoViver, na Maia.
Saber mais
Questionários
Algumas associações, como a açoriana, fazem questionários para apurar as motivações dos adotantes. A Midas procura "saber quem é a família que pretende adotar e porquê", o que acaba por ser um "ato de reflexão" para os próprios. "Muita gente desiste", diz a presidente da Midas.
Videochamada
Com visitas suspensas, a CãoViver faz videochamadas com potenciais adotantes e encaminha o processo de adoção, embora este só possa ficar concluído quando cessar o estado de emergência. Só aí o animal será entregue. A associação não prescinde de conhecer a família e o espaço em que aquele irá viver.