O ex-ministro das Infraestruturas foi ao Parlamento pedir que se renegoceiem os acordos assinados com a Airbus, dando como "muito provável" que a capitalização feita por essa empresa na TAP tenha sido, na realidade, financiada pela própria TAP. Pedro Nuno Santos também atacou a Direita pelos moldes da privatização da companhia, alegando que o Governo PSD/CDS via as empresas públicas como "pesos". Deixou vários temas para a próxima semana, quando voltar a ser ouvido pelos deputados.
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Na sua intervenção inicial, o antigo governante, que deixou o cargo em dezembro passado, puxou dos galões dos resultados das empresas que tutelava: "Não há mais nenhum ministro, nos últimos 50 anos, que se possa gabar de ter deixado as suas funções com a TAP e a CP a darem lucro", frisou, dizendo ter "muito orgulho" do trabalho que o seu ministério fez para "salvar" a companhia aérea.
Pedro Nuno Santos considerou que, caso a auditoria levada a cabo pela TAP seja verdadeira, é "muito provável que a capitalização feita pela Airbus" tenha sido financiada, na realidade, pela companhia portuguesa. Assim sendo, referiu, "é possível que todos tenhamos sido enganados" em 2015, ano em que o Governo PSD/CDS privatizou a TAP.
O ex-ministro sustentou que a auditoria é "suficientemente grave para não a ignorarmos". Nesse sentido, caso se confirme a veracidade desta, "todos temos de exigir que os contratos [com a Airbus] sejam revistos", afirmou. Em causa está um negócio de troca de encomendas de aviões, feito entre David Neeleman e a Airbus, em que esta terá ganho 440 milhões de dólares, com a TAP a pagar acima do preço de mercado.
Pedro Nuno desafiou os partidos a deixarem de lado o "combate político" e a unirem-se nesta "questão fundamental": "Se, no meio destas audições todas, temos alguma preocupação com a TAP e o país, temos de garantir que, se aquela auditoria tem algum fundo de verdade, que isso tenha consequências e haja uma renegociação dos contratos", vincou, frisando que o "valor" que a empresa viu ser-lhe subtraído é relevante, "mesmo no quadro de uma privatização".
PSD falhou ao prometer que livraria país de um "peso"
A segunda dimensão da privatização da TAP destacada por Pedro Nuno foi o facto de, no entender do ex-ministro, o PSD ter falhado na "promessa" de que a venda da empresa, em 2015, libertaria os contribuintes de um "peso".
À semelhança do que o seu antecessor, Pedro Marques, tinha dito aos deputados, também Pedro Nuno lembrou que, com as cartas-conforto assinadas pelo último Governo PSD/CDS, o Estado "obrigava-se a recomprar a TAP" em caso de dificuldades do privado.
Assim, frisou, o erário público "ficava não só responsável pela dívida subjacente a cartas-conforto" - a rondar os 600 milhões de euros - mas, também, "por toda a dívida que fosse, entretanto, contraída pelo privado". Ou seja: se o negócio corresse bem o privado lucrava mas, "se corresse mal, o Estado pagava".
"Para o bem, a empresa era do privado; para o mal, era do Estado. Essa é a forma mais clara de resumir o negócio de 2015", argumentou Pedro Nuno Santos. Já na parte final da audição, reforçaria a ideia: "Se não tivesse havido PS pelo meio [a alterar as condições], as cartas-conforto teriam resultado na compra da empresa por parte do Estado".
No entender do antigo governante, a existência dos referidos documentos torna "claro" o que aconteceria em 2020 caso o PSD estivesse no poder: com a chegada da pandemia, a TAP não conseguiria, "inevitavelmente", pagar os 141 milhões de euros de dívida que tinha, à época, ao abrigo das cartas-conforto.
Ou seja: segundo o estipulado nesses documentos, a TAP regressaria à esfera pública "por imposição do acordo de venda feito em 2015", alegou Pedro Nuno, destacando a "situação de capitais próprios profundamente degradada" em que a empresa se encontrava. A seu ver, esse foi o motivo pelo qual o PSD foi "o único partido" que nunca teve a "coragem" de dizer o que teria feito com a TAP em 2020.
O ex-ministro acusou o último Governo de Direita de ter levado a cabo um negócio "mal feito" e que "lesou o interesse público". "Colocou o Estado numa situação de elevado risco, ao mesmo tempo em que não tinha controlo sobre a empresa", resumiu.
Lamenta que aeroporto de Lisboa esteja "a rebentar pelas costuras"
Para Pedro Nuno Santos, o negócio da venda da TAP em 2015 não foi "um acaso", mas sim um exemplo de "um padrão da forma como a Direita vê as empresas públicas e as trata". A esse respeito, deu também o exemplo da venda da Groundforce, no qual o comprador, Alfredo Casimiro, "só pagou os 4 milhões [do custo] quando tinha recebido 7". "Qualquer um conseguia fazer esse negócio" considerou.
Já a ANA, privatizada em 2012, deu "mais de 1400 milhões de euros de lucro" em dez anos, sublinhou Pedro Nuno. "Em 2022 deu mais de 300 milhões de lucro, dos quais o Estado terá recebido oito", destacou, questionando: "Foi um bom negócio para quem?".
Pedro Nuno lamentou que a Direita olhe para as empresas públicas como "pesos sobre o Estado", quando elas podem ser, na verdade, "instrumentos de financiamento alternativos aos impostos". Frisando que, com a venda, Portugal perdeu o controlo dos seus aeroportos -"infraestruturas críticas em qualquer país do mundo" -, disse não saber "se há muitos negócios, em Portugal, melhores do que os da ANA".
O antigo governante também lamentou que o aeroporto de Lisboa esteja a "rebentar pelas costuras" e que, "neste momento, recuse voos". "A gestão pública não faria pior", alegou, mas sim "igual ou melhor".
A propósito das aeronaves Airbus que ainda não foram entregues, declarou: "Não sei, sinceramente, se o aeroporto [de Lisboa] tem espaço de estacionamento para todos os aviões se eles vierem e quando vierem".
Pagamento de 55 milhões a Neeleman: "Pagámos menos do que pediu"
Questionado sobre os 55 milhões de euros pagos a David Neeleman para que este deixasse a empresa, Pedro Nuno explicou que o valor foi um "ponto de encontro" entre as partes, de modo a evitar litigância. "Não pagámos zero como desejávamos, mas pagámos menos do que o privado pediu", referiu o antigo governante.
Pedro Nuno lembrou ainda que, em 2020, quando a TAP entrou em dificuldades devido à pandemia, foi aprovado um auxílio de emergência de 1 200 milhões de euros, mediante condições impostas pelo Estado, que foi rejeitado pela administração da TAP. Assim sendo, referiu, o Governo ficou com duas opções: ou nacionalizar a empresa ou negociar com Neeleman.
"Estávamos preparados para nacionalizar a empresa mas não queríamos, porque nacionalizar também tem um custo", sublinhou Pedro Nuno. "Fizemos tudo para evitar a nacionalização e foi por isso que se iniciou uma negociação com o privado, que estava a bloquear - ou a não concordar, vá lá - com as condições do Estado para emprestar", acrescentou.
Confrontado pelos deputados de PCP e BE, Pedro Nuno defendeu a pertinência do plano de reestruturação adotado, e que envolveu despedimentos e reduções salariais. Alegou que, caso Bruxelas aceitasse um plano sem cortes salariais, a injeção total seria não de 3,2 mil milhões de euros, mas sim de 4,5 mil milhões. "O plano tinha de ter cortes profundos", assegurou.
"Nunca disse que jamais a TAP seria para vender"
Questionado por alguns deputados, o ex-governante preferiu deixar para a audição da próxima semana, altura em que falará na comissão parlamentar de inquérito (CPI) da TAP, temas como a indemnização a Alexandra Reis ou o suposto roubo de um computador no ministério das Infraestruturas, este já com João Galamba enquanto ministro.
Também o assunto da reprivatização foi deixado para a audição de dia 15, na CPI. No entanto, em resposta ao PCP, Pedro Nuno adiantou que considera "muito difícil" que a TAP consiga "sobreviver sozinha" num mercado global, ainda para mais sendo o mundo da aviação "competitivo" e "agressivo".
Interpelado pelo Chega, acrescentou: "Nunca disse que jamais a TAP seria para vender. Nunca disse isso. Sempre disse que a TAP não podia ficar a operar na aviação sozinha e que devia integrar um grupo de aviação. Sempre". Lembrou que nunca falou em percentagens, garantindo que iria continuar a não o fazer.
Pedro Nuno argumentou que "não há contradição pública nenhuma" no que respeita à prática do Governo. "Nunca dissemos que íamos fazer aquela intervenção em 2020 porque queríamos ter a empresa 100% pública", frisou o antigo ministro. Defendeu que ou o Governo entrava em cena "ou a TAP fechava", uma vez que o privado ou não podia "ou não tinha vontade" de injetar dinheiro.
TAP paga 3 mil milhões em impostos em dez anos
Pedro Nuno sustentou que a TAP está a devolver ao país os 3,2 mil milhões injetados "desde o primeiro dia em que foi intervencionada". Para o justificar, lembrou que a companhia rende ao Estado "cerca de 300 milhões de euros por ano" em contribuições fiscais e para a Segurança Social.
Assim sendo, "em dez anos, o Estado recebe 3 mil milhões de euros", frisou o ex-ministro. Perante o olhar dos deputados - que não o contrariaram -, desafiou, com um sorriso: "Certo? Não estou a dizer nada de errado". Mais tarde, a IL lembrou que o pagamento de impostos é um encargo de qualquer empresa, ao que Pedro Nuno respondeu: "Sim, mas, para isso, é preciso que existam".
O ex-ministro sublinhou alguns dos aspetos que, no seu entender, fazem da TAP uma empresa essencial para o país: destacou o apoio ao turismo, as compras "superiores a mil milhões de euros a mais de mil empresas nacionais" e, ainda, o lucro que deu em 2022.
Reparo a Costa: "Ninguém quis" discutir reestruturação no Parlamento
Pedro Nuno fez um breve comentário que pode ser interpretado como um reparo ao primeiro-ministro. Em resposta ao BE, lembrou que, à exceção de um partido, "ninguém quis" que o plano de reestruturação da TAP fosse discutido no Parlamento.
Em 2020, recorde-se, o então ministro das Infraestruturas quis levar o documento a debate com os partidos, mas António Costa travou essa intenção. Paulo Moniz, deputado do PSD, lembrou o episódio, observando, por várias vezes, que "nem o primeiro-ministro" queria discutir o plano no Parlamento.
Pedro Nuno - que estava muito próximo do parlamentar social-democrata, pelo que terá ouvido os comentários deste -, preferiu ignorar. Voltou apenas a referir que "ninguém quis" levar o plano de reestruturação a discussão em plenário.
O ex-ministro discordou ainda de Diogo Lacerda Machado, ex-administrador da TAP, quanto ao negócio da VEM no Brasil. "Com humildade", Pedro Nuno defendeu que esse não foi "o melhor negócio dos últimos 50 anos da TAP" - ao contrário do que Lacerda tinha dito -, já que "quase um terço da intervenção pública" do Estado é "por conta da ME Brasil".
Esta foi a primeira de duas audições de Pedro Nuno Santos no Parlamento. No próximo dia 15, será ouvido na comissão parlamentar de inquérito da TAP.