Pedro Nuno Santos: "Processo de indemnização a Alexandra Reis objetivamente correu mal"
O ex-ministro das Infraestruturas afirmou, na comissão de inquérito (CPI) da TAP, que o processo de indemnização à ex-administradora Alexandra Reis "correu mal". Pedro Nuno Santos admitiu que os 500 mil euros são "um valor alto", garantiu que não se lembrava de os ter autorizado e assegurou que o Governo não interferia na empresa. Tal como o seu ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, também Pedro Nuno responsabilizou os advogados da TAP sobre eventuais falhas jurídicas no processo da indemnização.
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"A indemnização à engenheira Alexandra Reis é menos de 1% do trabalho que tivemos na TAP e menos de 0,1% do trabalho que tivemos do ministério", referiu o antigo governante aos deputados. "Mas foi um processo que, objetivamente, correu mal, e foi ele que ditou a minha saída do Governo", recordou.
Embora tenha considerado o valor da indemnização "alto", Pedro Nuno Santos deu o seu aval ao pagamento. Na CPI, argumentou que a ex-CEO da companhia tinha o direito de não querer Alexandra Reis na equipa, uma vez que qualquer comissão executiva deve ser "coesa", "coerente" e da confiança de quem a lidera. Autorizou a saída numa reunião "a sós" com Christine Ourmières-Widener.
"O valor [da indemnização] é alto em qualquer país do mundo, e em Portugal ainda mais", reforçou o ex-ministro. De modo a tentar explicar a quantia, também sublinhou que a TAP é uma empresa "atípica", uma vez que há trabalhadores "que ganham muito" - alguns, lembrou, auferem "mais do que os vogais do Conselho de Administração". Assim, frisou que a indemnização está em sintonia com os salários praticados na transportadora.
Mais tarde, questionado pela IL, solidarizou-se com Alexandra Reis: "A engenheira Alexandra Reis era um quadro da TAP competentíssimo, altamente competente, inteligente e trabalhadora. Lamento muito isto que lhe aconteceu e espero que consiga refazer-se rapidamente, porque será útil a quem quiser trabalhar com ela".
Há mais 13 "Alexandras Reis"? "Provavelmente não", diz Pedro Nuno
Bernardo Blanco, da IL, confrontou Pedro Nuno Santos com alegados pagamentos de um total de 8,5 milhões de euros feitos a 13 administradores da TAP entre 2019 e 2023, identificados por uma auditoria da EY. O ex-ministro quis saber "que 13 administradores são esses e em que data é que foi, para sabermos do que estamos a falar". O referido documento está, nesta altura, classificado.
Confrontado pelo deputado com um pagamento de 2,4 milhões de euros a Fernando Pinto, ex-presidente da TAP - que será um dos 13 administradores em causa -, Pedro Nuno lembrou que o brasileiro deixou a companhia em fevereiro de 2020, altura em que esta ainda era privada. À época existiam, por isso, "regras diferentes", vincou, acrescentando que, durante o seu período como ministro, só soube das saídas de Alexandra Reis e de Antonoaldo Neves.
O antigo governante deixou também reparos à forma como Bernardo Blanco colocou a pergunta, entendendo que o deputado passou "a ideia de que houve mais 13 Alexandras Reis", a receber pagamentos avultados. "Provavelmente, como a engenheira Alexandra Reis, não há mais nenhum", estimou Pedro Nuno, dizendo ter "pena" que o documento seja confidencial.
"Ok" à indemnização: "Não vou passar a mentir só porque a mentira parece mais credível"
O antigo membro do Governo afirmou que no final de 2022, quando se demitiu, não fez qualquer referência ao facto de ter autorizado o pagamento a Alexandra Reis porque, nessa altura, não se recordava que o tinha feito. Antecipando críticas, atirou: "Há verdades que são mais inverosímeis do que a mentira, mas eu não vou passar a mentir só porque a mentira parece mais credível do que a verdade".
Pedro Nuno Santos recordou que entre o momento em que deu o "ok" ao pagamento e o rebentar do caso passaram largos meses. "Eu não tinha memória, quase um ano depois, daquela mensagem e da minha participação sobre o montante e a autorização", justificou.
O comunicado de demissão, escrito e divulgado no final de dezembro, foi elaborado "com a informação e a memória que nós tínhamos", garantiu Pedro Nuno, assegurando que, após ter dado o aval ao pagamento, não mais acompanhou aquele processo. "Hoje, olhamos para todos estes temas com uma clareza e uma limpidez que não tínhamos na altura", vincou.
No mês entre a demissão e o comunicado a revelar que, afinal, tinha autorizado o pagamento, Pedro Nuno disse ter tentado tirar a limpo se o assunto sempre lhe tinha passado entre as mãos. Ao descobrir, na plataforma iMessage, a mensagem em que deu o "ok", ligou ao seu agora ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, e disse-lhe: "Tens de rever o teu testemunho à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e eu vou tornar pública a mensagem".
O antigo governante descreveu o seu comunicado de janeiro, no qual reconheceu que tinha dado luz verde à indemnização, como "um segundo comunicado de demissão". "Foi assim que foi sentido", referiu. Dirigindo-se aos deputados, rematou: "Os senhores têm de acreditar? Não não têm. Eu não tenho é de dizer nada de diferente o que aquilo que realmente aconteceu".
Em sintonia com Hugo Mendes: também não sabia do "enquadramento jurídico"
No que respeita à legalidade do processo da indemnização, Pedro Nuno foi taxativo: "Essa não foi uma questão que alguma vez me tenha sido colocada. Não me foi sequer apresentado nenhum enquadramento jurídico, nenhuma alternativa jurídica. Fui confrontado com um valor relativamente ao qual dei a minha opinião pessoal", garantiu.
Tal como o seu ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, fizera na véspera, na CPI, também Pedro Nuno procurou demonstrar que a vertente jurídica do processo estava a cargo da TAP. A este respeito, lembrou que, tal como os Governos, os gestores de empresas têm, igualmente, "responsabilidades".
"Eu, quando reúno com o presidente das Infraestruturas de Portugal para discutir uma estrada, não estou permanentemente a perguntar-lhe se ele está a cumprir a lei", exemplificou o socialista. O cumprimento da lei é, portanto, um "pressuposto" do qual se parte sempre, frisou, ilibando assim o seu ex-secretário de Estado por não ter feito questões sobre esse assunto aos responsáveis da TAP.
Em suma, Pedro Nuno afiançou: "Nem é verdade que eu alguma vez tivesse dito que não sabia de nada, nem é verdade que eu, afinal, soubesse de tudo". Recorde-se que o ex-ministro se demitiu em dezembro, tendo admitido por escrito, cerca de um mês depois, que tinha dado autorização ao pagamento feito a Alexandra Reis.
O pedido de esclarecimento feito em conjunto pelo seu ministério e pelo ministério das Finanças à TAP não foi "um número político", assegurou. Tratou-se, sim, de um passo "essencial para iniciar o processo de fiscalização por parte da IGF".
Garante que não houve ingerência na TAP, mas admite ter criado essa "perceção"
Pedro Nuno Santos afirmou que não houve qualquer interferência da parte do Governo na gestão da TAP e explicou porquê: "Para mim era claro que as coisas tinham de correr bem, e eu não percebo do negócio da aviação. Sabia que, no dia em que começasse a interferir, as coisas iam correr mal".
O ex-ministro alegou ser o responsável pela "perceção" pública de que o Executivo interferia na transportadora. A seu ver, ela foi criada por ele se ter entregue "de corpo e alma" ao dossier da TAP, que considerava "muito importante". No entanto, voltou a esclarecer: "Sabia que a melhor forma para que as coisas corressem bem era não me meter na gestão".
Pedro Nuno garantiu que nunca se "atreveria" a dizer à então CEO que ela teria, por exemplo, "de criar uma rota do Porto para Milão". Embora admitindo que chegou a pedir informação sobre algumas rotas, frisou: "Vimos os resultados e nem tocámos mais no assunto", uma vez que se trata de "matéria de gestão".
Não sabia dos fundos Airbus quando negociou com Neeleman
Questionado por Bruno Dias, do PCP, sobre se tinha conhecimento dos fundos Airbus - que terão permitido a David Neeleman comprar a TAP com dinheiro da própria TAP - quando, em 2020, pagou os 55 milhões de euros ao empresário, Pedro Nuno disse que não.
Perante a resposta, o deputado comunista lamentou que os ministros não informem os sucessores dos temas quando passam as pastas. Pedro Nuno contestou, frisando ter sido durante o seu mandato que o país passou a ter mais informações sobre os fundos Airbus.
Pedro Nuno Santos expressou também "alguma inquietação" pelo facto de uma auditoria pedida pela TAP ter concluído que a empresa pode estar a pagar mais do que a concorrência pelos aviões Airbus. O antigo ministro sustentou que, embora não possa afirmar que a operação com a Airbus tenha sido ilegal, a auditoria em causa não deve ser desvalorizada.
Esta foi uma referência ao que o ministro da Economia do último Governo PSD/CDS, António Pires de Lima, tinha dito na audição na CPI, na semana passada. Nessa ocasião, o ex-militante do CDS descreveu a auditoria como um "papel" que expressa uma opinião. Pedro Nuno atirou: "Não é um papel, como ouvi aqui. Qual papel?". Lembrou que a auditoria foi pedida pela TAP a sociedades de advogados.