Não é da falta de apoios que se queixam as pessoas com doenças raras, como a Atrofia Muscular Espinal (AME). É do tempo que esses apoios demoram a ser aprovados: chegam a esperar dois anos para receber o dinheiro para a compra de uma cadeira de rodas ou de um elevador de banho. E, quando recebem o subsídio, o equipamento em causa pode até já nem ser o adequado para a sua debilidade.
Corpo do artigo
Fernando Vieira, de 47 anos, iniciou o processo para pedir o apoio para a compra de uma cadeira elétrica nova em agosto. Concluiu a entrega dos orçamentos e de toda a documentação necessária no início de novembro e, até agora, não teve qualquer resposta.
"A minha cadeira tem uma avaria eletrónica. Mas sei que só terei o apoio daqui a dois anos ou dois anos e meio", conta o dirigente associativo na Associação de Paralisia Cerebral de Viseu, referindo que a cadeira custa 23 mil euros. Atualmente estão a ser atribuídas as verbas para apoios pedidos no final de 2019, início de 2020, conta.
Fernando, que teve o diagnóstico de AME aos dois anos e meio, também precisou de apoio para comprar uma maca de banho, mas essa resposta foi mais célere. O pedido foi aprovado pela Segurança Social em setembro do ano passado e a verba chegou agora em novembro, tendo já adquirido o equipamento, que custou cerca de 1700 euros.
Progressão é imprevisível
A vice-presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares (APN) confirma. "Temos das melhores legislações da Europa. Mas, depois, o processo de atribuição de apoios é demasiado lento", afirma Ana Isabel Gonçalves, que também sofre de Atrofia Muscular Espinal e esperou dois anos pelo apoio para uma cadeira de rodas elétricas. À conta dos atrasos, "a maioria das pessoas acaba por se endividar porque precisam de algo muito urgente. O subsídio não chega a tempo e a legislação não permite que sejam ressarcidas", acrescenta, embora acredite que no próximo ano poderá haver alterações que agilizem este processo.
No caso das pessoas com Atrofia Muscular Espinal a progressão da doença é imprevisível. "Sabemos o que conseguimos fazer hoje. Mas não sabemos o que vamos conseguir fazer daqui a uma semana", vinca Ana Isabel Gonçalves, lembrando que se trata de uma doença degenerativa, que afeta a capacidade motora, através da perda de força dos músculos e de uma paralisia progressiva.
"Por exemplo, alguém que hoje conduz uma cadeira de mão pode não ter essa capacidade daqui a dois anos e já precisar, por isso, de um outro tipo de cadeira", explica a dirigente.
Outras dificuldades
"As pessoas com deficiência são uma minoria com necessidades financeiras", sublinha Ana Isabel Gonçalves, defendendo: "Não é preciso legislação. É preciso é aplicá-la a tempo e horas".
Além da demora para atribuição de um atestado de incapacidade multiúsos, os doentes ainda têm dificuldades em encontrar as terapias de que necessitam na sua área de residência, sobretudo se não residirem nas grandes cidades. Acrescem os problemas de mobilidade, na via pública e nos transportes coletivos.
A APN levou a cabo, este ano, uma campanha de sensibilização da população sobre a Atrofia Muscular Espinal com testemunhos reais e de superação de vários doentes. Uma das lutas foi para que a doença passasse a ser incluída no rastreio pré-natal e no teste do pezinho, o que aconteceu em outubro.