Autarcas dizem que a Carta de Perigosidade limita direitos dos cidadãos que vivem junto a áreas florestais.
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Se o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) previr temperaturas elevadas e níveis de humidade propícios à ocorrência de fogos rurais, as pessoas que vivem em zonas de risco de incêndio elevado e muito elevado não podem sair de casa. Quem reside em locais próximos de áreas florestais fica impedido de fazer uma vida normal, pois não pode atravessar a floresta.
A denúncia é feita, ao JN, por Emílio Torrão, presidente da Comunidade Intermunicipal (CIM) da Região de Coimbra, por Fernando Queiroga, membro do conselho diretivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e presidente da Câmara de Boticas, e por Paulo Batista dos Santos, primeiro secretário da CIM de Leiria. Por isso, Emílio Torrão não tem dúvidas de que a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural é "atentatória contra os direitos dos cidadãos".
110 mil hectares foram consumidos no ano passado pelos incêndios rurais. Portugal vai ter um novo sistema de avisos à população, em caso de eventos adversos, como os fogos rurais e o mau tempo. A tecnologia permitirá a difusão por rede móvel mais rapidamente.
O líder da CIM de Coimbra acusa o documento de ser "irrealista" por ter sido feito por quem não conhece o terreno, sem ouvir os autarcas. O motivo da contestação deve-se ao novo mapa ter "pintado" a vermelho e a vermelho-escuro zonas onde antes o risco de incêndio não era considerado alto ou muito alto. "Não aceitamos esta carta. Se avançar nos territórios do Interior de baixa densidade, vai coartar a normal vida das pessoas e os prejuízos vão ser elevadíssimos".
Torrão insiste que "há situações ridículas" na carta de perigosidade, "como as barragens estarem pintadas de vermelho ou não se poder ir à praia da Tocha ou de Mira, porque se tem de passar pela floresta. A floresta não se protege fechando as pessoas em casa".
Passar as culpas
Além disso, garante que, sempre que o IPMA considere as condições propícias à ocorrência de incêndios, fica comprometida a realização de ralis, trails, caminhadas ou procissões, pois, se surgir algum problema, a responsabilidade é atribuída aos autarcas. "Andamos a investir rios de dinheiro no turismo para isto?"
Houve 1350 incêndios rurais entre o mês de janeiro e domingo, que conduziram à destruição de 5504 hectares: 22% da área ardida foram em povoamentos florestais, 77% de matos e 1% de área agrícola.
Fernando Queiroga, representante da ANMP na comissão de acompanhamento deste dossiê, também entende que a intenção desta nova carta é passar "as culpas" para os presidentes de câmara. "Não querem ter a responsabilidade se alguma coisa correr mal", acusa. Por essa razão, é que as câmaras estão a ser obrigadas a substituir os proprietários dos terrenos na limpeza das faixas de gestão de combustível, caso estes não cumpram a obrigação. "Como é que as câmaras conseguem fazer as limpezas todas? Isto só vai contribuir para que haja mais incêndios e de maior proporção, ao tirar as pessoas dos territórios".
O social-democrata destaca, ainda, outras preocupação dos autarcas. "Não se pode construir em zonas de alto risco de incêndio e, no verão, só se podem fazer as ceifas até às 10.30 horas", exemplifica. "Isto é muito gravoso para o Interior".
Face à contestação dos municípios que discordam do aumento de zonas de risco de incêndio alto e muito alto nos seus territórios, as comissões sub-regionais de gestão integrada de fogos rurais têm até 31 de março para adaptar as áreas prioritárias de prevenção e segurança à "realidade territorial". Contudo, a metodologia só foi apresentada aos autarcas de todo o país, por João Paulo Catarino, secretário de Estado das Florestas, e por Carlos Miguel, secretário de Estado do Ordenamento do Território, entre 6 e 14 deste mês, confirmou, ao JN, o Ministério do Ambiente. Situação que levou a comissão de acompanhamento a pedir, ao ministro do Ambiente, a suspensão da carta até 31 de dezembro. "Tudo isto é muito tardio. E só fazem as reuniões, porque a pressão aumentou", frisa Queiroga.
Problemas mantêm-se
Paulo Batista dos Santos, primeiro secretário da CIM da Região de Leiria, sustenta que, "no essencial, os problemas mantêm-se", porque a carta não está atualizada. Por exemplo, "a Câmara da Marinha Grande comprou ao ICNF um terreno para ampliar a zona industrial do Casal da Lebre, que agora está a vermelho".
Batista dos Santos explica que, "desde que tenha havido um incêndio nos últimos dez anos, a perigosidade é alta. Pretendíamos alterar isso em função dos planos municipais [de defesa da floresta contra incêndios], nas áreas de expansão urbana", concretiza. "Nas zonas de perigosidade alta e muito alta, nada pode ser feito nos períodos de maior risco de incêndio: as pessoas não podem passar e não pode haver atividade agrícola".
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Proteger pessoas
A metodologia aprovada pela Comissão Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais estabelece que as comissões sub-regionais não devem colocar em causa a proteção de pessoas, bens, recursos naturais e as atividades desenvolvidas no território, essenciais para a presença humana, informa o Ministério do Ambiente ao JN.
Planos em vigor
Para já, mantêm-se em vigor os planos municipais de defesa da floresta contra incêndios.