<br/> Em 1981, a Invicta tinha mais de 300 mil habitantes. Em 2031, pode não passar dos 150 mil. A razia populacional, porém, poderá não ter correspondência estratégica, com a cidade a continuar a assumir-se como o grande centro agregador da economia da sua Área Metropolitana.
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"O Porto é o coração da Área Metropolitana e continuará a ser". A sentença é do historiador Joel Cleto, voz marcante no que aos meandros do passado da Invicta diz respeito e conhecedor como ninguém dos seus segredos, das suas idiossincrasias, da sua identidade muito própria. E surge disparada como resposta pronta quando confrontado com a velha mas sempre atual questão: corresponderá a evidente quebra populacional do Porto à sua perda de relevo central no contexto regional e, até, nacional? "A sangria demográfica é evidente e parece irreversível, o que não significa que irá beliscar a importância do Porto. Pelo seu lugar estratégico no estuário do rio Douro, pela sua relação com o oceano Atlântico, pelo seu lugar de distribuição e comunicação com vários mundos. Nada disso irá alterar-se", afiança Joel Cleto.
Ao encontro da mesma opinião vai o geógrafo Rio Fernandes, para quem um Porto mais vazio de habitantes não sairá beliscado enquanto ponto de convergência de emprego, de serviços, de criação de conhecimento e de iniciativa, não obstante isso leve à alteração do sentido de estratégias recentes.
É necessário pensar numa economia de futuro não apenas dependente do turismo
"É fácil perceber que nos últimos anos houve uma especialização do Porto enquanto cidade de consumo muito ligada ao turismo, uma aposta que só o futuro dirá se foi a mais correta. No entanto, existiu também, e isso foi positivo, a captação de empresas inovadoras e um caminho no sentido de transformar o Porto numa lógica de smart city", aponta o professor catedrático do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. "No entanto, é necessário pensar numa economia de futuro não apenas dependente do turismo", alerta.
De acordo com números da Pordata relativos a 31 de dezembro de 2019, os últimos disponíveis, o Porto conta com um total de 216 606 habitantes e é o quarto município mais populoso a nível nacional, atrás de Lisboa (509 515), Sintra (391 402) e da vizinha Vila Nova de Gaia (300 472). Em 1981, de acordo com a mesma base de dados, o Porto contava com 328 788 moradores, o que significa, feitas as contas, que em quase 40 anos perdeu qualquer coisa como 112 182 pessoas. "É um fenómeno que se verifica Europa fora, exceto em cidades que atraem imigrantes, as quais têm crescido de uma forma mais acentuada", explica Rio Fernandes.
O único dado positivo a registar é que a partir de 2017 se vem verificando um ligeiro aumento da população residente, na ordem dos 2000 novos habitantes por ano, dizem os registos do Instituto Nacional de Estatística (INE). Números ainda assim insuficientes para colmatar as perdas profundas verificadas nas décadas recentes.
Gaia terá o dobro dos habitantes do Porto
A evidente razia populacional ficou bem patente num estudo elaborado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) para a Metro do Porto, apresentado no passado mês de setembro e que teve como objetivo a "avaliação da procura potencial de eixos para consolidação do sistema de metro ligeiro e desenvolvimento de um sistema de metro bus na Área Metropolitana." O relatório, coordenado pelo professor da FEUP Paulo Pinho, dá conta que nos próximos dez anos a tendência de decréscimo irá continuar, contrastando com o esperado contínuo aumento populacional de municípios envolventes, como Vila Nova de Gaia e Matosinhos. A projeção da FEUP estima que em 2031 o Porto não conte com mais do que 150 mil residentes fixos, ao passo que Vila Nova de Gaia, o concelho que mais deverá crescer, poderá ultrapassar facilmente os 300 mil. No entanto, diz o estudo, o Porto irá continuar a centrar o grosso da oferta de empregos, o que fará com que continue a funcionar como polo dinamizador.
"Ao nível do sistema dos transportes e dos padrões de deslocação sobressai a importância do concelho do Porto e da sua envolvente imediata, como centro polarizador de toda a Área Metropolitana", sublinha o documento. "É nesta área [Porto] que encontramos os mais altos valores de densidade populacional, de densidade de emprego e onde a ocupação do solo é mais intensa. A sua importância como centro de gravidade metropolitano está bem patente na análise dos fluxos diários", reforça.
O estudo deixa ainda claro que o Porto continua a exercer o papel central, o que pode ser facilmente verificável através da análise do número de passageiros de metro na cidade. "Apresenta a maior fatia, cerca de 50%, das deslocações em transporte público", especifica a análise da FEUP.
a cidade continuará a ser sede de grandes empresas e instituições, além de um forte ponto de serviços
Sendo um dado adquirido que o Porto cidade continuará em perda, o que ficará como estratégia possível para o futuro? Joel Cleto acredita que a solução passará por uma lógica metropolitana mais acentuada. "Prevalecerá o sentido do chamado do Grande Porto. E a cidade continuará a ser sede de grandes empresas e instituições, além de um forte ponto de serviços", aponta o historiador. "A centralidade, o peso histórico e a dinâmica não correrão o risco de desaparecer ou atenuar-se", antevê Joel Cleto.
Por sua vez, para Rio Fernandes o caminho passa pelo reforço da ligação entre as diversas autarquias da Área Metropolitana do Porto, com a do Porto a ter de assumir necessário papel de destaque e de comando. "Enquanto cidade município, o Porto corre o risco de uma certa asfixia. O futuro é ser parte fundamental de uma espécie de Porto cidade alargada. Um grande centro cultural, universitário e administrativo", prevê o geógrafo. "Será desejável e indispensável a articulação entre municípios. Não numa lógica de um só concelho, mas numa lógica intermunicipal", diz.
"O Porto deve ter reuniões regulares com a sua coroa envolvente de municípios vizinhos com vista a traçar um pensamento estratégico de articulação de políticas comuns", completa Rio Fernandes.