O Eurostat apontou, esta segunda-feira, que maioria dos alunos portugueses está fora do mercado de trabalho. O Conselho Nacional de Juventude (CNJ) acredita que os valores estão subvalorizados.
Corpo do artigo
A maioria dos jovens estudantes portugueses (87%) entre os 15 e os 29 anos não são "força de trabalho", ou seja, dedicam-se em exclusivo aos estudos, seja no Secundário ou no Superior. De acordo com dados do Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia (UE), no ano passado havia 10,3% de jovens trabalhadores-estudantes em Portugal e 2,9% estavam desempregados, isto é, à procura de emprego ou disponíveis para trabalhar. A média de trabalhadores-estudantes na UE é de 23,4%. Rui Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), acredita que os números "são muito mais elevados" e não refletem a quantidade de jovens que trabalham e estudam em Portugal.
"Nos cursos [ensino superior] temos muitos estágios, inclusive os de acesso às ordens profissionais. Duvido muito que esses dados estejam no estudo", diz o dirigente do CNJ. Para Rui Oliveira, tanto os estágios profissionais, que são "fracamente remunerados", como os curriculares, a maioria não sujeitos a qualquer pagamento, são feitos em contexto empresarial. "É, obviamente, uma situação que preocupa", afirma ao JN.
Receio de perder bolsa
Na análise do Eurostat, Portugal posiciona-se como o 10.º país da UE com mais jovens estudantes fora do mercado do trabalho. A média europeia está nos 73,4% de alunos que só se dedicam ao estudo contra os 86,9% de Portugal. Cerca de 23% dos jovens estudantes em toda a UE estavam empregados, enquanto Portugal tinha menos de metade (10%). Em sentido contrário, os Países Baixos são o país com mais jovens trabalhadores estudantes (70%).
O contexto nacional deve ser tido em conta para explicar os números, diz Rui Oliveira. Além dos estágios, o presidente do CNJ refere haver estudantes a trabalhar que não fazem a declaração de rendimentos, com receio de perder a bolsa de estudos. "Infelizmente é uma realidade que existe", explica o dirigente. Para o Conselho Nacional de Juventude, nenhum jovem que queira frequentar o ensino superior deveria precisar de trabalhar para poder pagar as propinas ou os custos de alojamento.
Para a docente universitária Aurora Teixeira, os dados "não são surpreendentes", já que os países nórdicos são conhecidos por ter "bons sistemas de ensino vocacional". Em Portugal, o ensino profissional tem muito "caminho a percorrer", sendo "pouco valorizado", diz. Por outro lado, a transição entre a educação e o mercado de trabalho tem "fragilidades".
A professora da Faculdade de Economia da Universidade do Porto defende que a análise devia estar mais "desagregada" por idade, porque engloba dois tipos de jovens: os na escolaridade obrigatória e os no ensino superior. Estes dados, que têm como base um inquérito sobre a força de trabalho da UE, são de jovens entre os 15 e os 29 anos.
Sem cultura do part-time
O presidente do CNJ acredita que os valores de Portugal sobre jovens trabalhadores estudantes devem ser muito superiores aos registados pelo gabinete de estatísticas e a tender a aproximar-se dos países nórdicos, como a Dinamarca, que em 2021 tinha 49% dos alunos empregados. Rui Oliveira defende que as empresas têm "pouco respeito" pelo trabalhador estudante. "Ir aos exames ou ajustar as horas de trabalho para poder frequentar as aulas são situações que raramente acontecem", diz.
A elevada carga horária das aulas é outra das explicações de Aurora Teixeira e de Rui Oliveira para o baixo número de alunos a trabalhar, o que deixa pouca margem para fazer um part-time, por exemplo. A docente diz que o trabalho parcial em Portugal é "restritivo", sendo maioritariamente preenchido por pessoas que queriam um trabalho a tempo inteiro.
Já para a psicóloga clínica Margarida Gaspar de Matos, existe "uma lista de atividades que [os jovens] fazem quando não estão a estudar", que vai desde o associativismo ao lazer. "É muito complicado contratar um jovem por um ou dois meses para fazer um pequeno trabalho", onde destaca a complexidade da inscrição fiscal e os impostos elevados. "As pequenas experiências laborais, em período de férias, deviam ter legislação simplificada", conclui.