Na semana em que o país entrou para a história ao conseguir o preço de energia solar mais baixo a nível mundial, um projeto inovador salta à vista: uma casa que gira à volta do sol e permite ganhos energéticos significativos faz furor e será exportada para vários continentes
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A ideia nasceu em 2010 e foi acarinhada pelo projeto Lidera, da Universidade do Porto, que viu inovação e arrojo futurista no plano do arquiteto Manuel Vieira Lopes: uma casa que, tal como um girassol, se move autonomamente para encontrar o sol e, assim, garante fontes alternativas de energia limpa e amiga do ambiente a qualquer hora do dia.
O projeto foi amadurecendo, ganhou espírito de crescimento e transformou-se em marca própria: Casas em Movimento. Quase dez anos após o primeiro esboço, parte agora à conquista do Mundo. Mais propriamente desde Matosinhos, onde um protótipo fiel destes exemplares pode ser admirado desde 2017, no cruzamento das ruas de Goa e de Alfredo Cunha, a poucos metros do edifício da Câmara Municipal.
"Para além de permitir uma poupança entre os seis e os sete mil euros na conta da eletricidade, são menos 32 toneladas de CO2 (dióxido de carbono) emitidas por ano, contributo evidente para a proteção ambiental. Além de uma imensidão de funções que a tornam modelo de sustentabilidade e da originalidade arquitetónica que representa", explica Manuel Vieira Lopes.
Este projeto ultrapassa o âmbito académico e devia ser explorado numa perspetiva de mercado
O conceito - que valeu o Prémio Born From Knowledge, da Agência Nacional de Inovação - foi acolhido entusiasticamente e teve a bênção especial de dois consagrados arquitetos, Eduardo Souto Moura e Álvaro Siza Vieira, os únicos portugueses contemplados com o Prémio Pritzker, considerado o Nobel da área. "Este projeto ultrapassa o âmbito académico e devia ser explorado numa perspetiva de mercado", apelou Souto Moura. "O Mundo assim o pede. Somos pioneiros", acrescentou Siza. E assim será.
Em 2012, as Casas em Movimento foram apresentadas no Solar Decathlon Europe, competição que junta novidades no que a habitações a energia solar diz respeito, em Madrid (Espanha). E logo causaram furor.
O burburinho internacional começou a tornar-se ruidoso, ao ponto de a prestigiada cadeia de televisão britânica BBC ter guardado cinco minutos de reportagem especial dedicada ao projeto. Veio, mais tarde, a apresentação na WebSummit, onde a receção "também foi muito positiva". Daí até ao interesse comercial foi um pequeno passo e, sobretudo a partir de 2018, começaram a chover convites para que o projeto se multiplicasse.
Negócios em marcha
Com um peso médio de 56 toneladas, estas casas conseguem rodar 180 graus em torno do sol em apenas 12 minutos. Recebem ordens através de telemóvel, permitem o carregamento de carros elétricos, podem até ser controladas remotamente através de uma aplicação específica. Além de habitação própria, podem ser adaptadas a outras funcionalidades e fins.
Uma torre comum é responsável pela alimentação a energia solar. E há também a possibilidade de adaptar a dimensão dos espaços à rotina de quem a habita. "Por exemplo, durante a manhã, a cozinha, porque habitualmente concentra mais pessoas, torna-se maior. Durante a noite, diminui de tamanho para se fundir com a sala, espaço comum das famílias nessa altura do dia, tornando-a maior", descreve o arquiteto responsável.
Em Portugal, encontram-se em fase de negociação Casas em Movimento que serão adaptadas a restaurantes em seis cidades. Conterão novidades quase excêntricas, como "um robô que recebe os clientes e os orienta no menu a escolher ou interage com o chef". Há ainda exemplares estudados para lounges, também a nível nacional.
Para o estrangeiro estão planeadas expansões em países de vários continentes. "Temos patente registada em 77 países, nalguns deles, nomeadamente nos Estados Unidos e na Austrália, fomos já contactados para alguns modelos de negócio", confirma Manuel Vieira Lopes. "Estamos ainda numa fase embrionária", sublinha.
Os primeiros passos rumo à internacionalização das casas do futuro surgem numa altura em que Portugal faz história precisamente à conta da energia solar. Na última semana, um leilão de rendas de 22 lotes fotovoltaicos terminou com os valores mais reduzidos de sempre, qualquer coisa como 14,7 euros por megawatt/hora - os preços anteriores andavam pelos 52 euros. Tal permite acrescentar 1400 megawatts à rede, o dobro da atual capacidade dos painéis. E garantir a Portugal, segundo confirmou o Ministério do Ambiente, o estatuto de país com o preço mais baixo de energia solar a nível mundial.
As centrais agora leiloadas apenas estarão operacionais em 2023. Daqui até lá, não vai acontecer nada, as mudanças não serão imediatas
Para António Sá da Costa, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APER), o leilão representou "aquilo que deve ser feito quando falamos de energias renováveis". Ou seja, adaptar o mercado a um tipo de energia que cada vez terá mais impacto no consumidor final, muito embora este não venha já a sentir na conta final o reflexo de tal descida de preços.
"As centrais agora leiloadas apenas estarão operacionais em 2023. Daqui até lá, não vai acontecer nada, as mudanças não serão imediatas", aponta. "Para isto ser viável, os preços dos painéis solares teriam de vir para um quarto do valor atual", frisa António Sá da Costa. Seja como for, acredita que a "médio prazo" a energia solar fará parte das prioridades, "até porque nunca terminará".
Certo é que no Roteiro da Descarbonização, apresentado no final do ano passado pelo Governo, apontou como meta que até 2050 toda a energia consumida em Portugal seja de origem renovável. E que até 2030 seja possível que 80% possa daí ser proveniente. Mais um passo que poderá ajudar a que o caminho a percorrer pelas casas do futuro - mais sustentáveis e tecnológicas - consiga apresentar-se como risonho.