O novo Governo ditou que o Mar ficasse separado das Pescas, deixasse de ser um Ministério autónomo e passasse a estar sob alçada da Economia. O recém-empossado secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, acredita que é uma estratégia: uma visão dos oceanos em várias frentes, desde a investigação, ao ambiente até à economia. O governante admite que há muitos desafios, como não perder a liderança na produção de energia eólica gerada a partir do mar e melhorar as infraestruturas, como os portos ou as marinas.
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Está a chegar aos dois meses no cargo de secretário de Estado do Mar. Já reuniu com todos os intervenientes do setor?
Foi uma experiência interessante. Tive oportunidade, com o ministro da Economia [António Costa Silva], visitar as instalações dos serviços afetos ao Ministério. Foi convocada uma reunião com os principais operadores do setor da economia do mar, onde foi constituída uma "task force". Vi um grande entusiasmo e mobilização.
Que entidades fazem parte dessa "task force"?
A reunião foi feita com os principais operadores, como os centros de competências, a Confederação Empresarial de Portugal, a Associação das Indústrias Navais e a Marinha Portuguesa. Foram constituídos oito grupos de trabalho que vão agregar e produzir um documento, de forma a identificar oportunidades e alguns constrangimentos. Em junho, vamos ter uma segunda reunião.
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Com o novo Governo, o Mar deixou de ser um Ministério e deixou de estar junto das Pescas. Há risco de perder peso político?
É uma arquitetura diferente. O primeiro-ministro quis dar um sinal de que é preciso concretizar, investir e ter uma visão transversal. O que se pretende é dialogar com vários ministérios: o das Infraestruturas e Habitação, no caso dos portos; o da Agricultura e Alimentação com as pescas; o da Ciência e Tecnologia com a investigação; o da Defesa e dos Negócios Estrangeiros com os acordos internacionais. O mar e os oceanos são os territórios do futuro e onde se estão a jogar as alterações climáticas e a transição digital. É um espaço de concertação.
Está a haver um trabalho conjunto com a secretária de Estado das Pescas?
Há um trabalho com todos os ministérios. Relativamente ao porto de Sines, foi constituído um grupo de trabalho para se potenciar ao máximo todas as valências que pode ter no âmbito da conjuntutura internacional. O mar tem hoje uma função geoestratégia diferente. Vamos articular com o Ministério da Educação, por exemplo, a alteração dos currículos sobre as escolas profissionais. Precisamos que os jovens se interessem pelos temas e profissões do mar.
Mas não considera que há consequências com a fragmentação das pastas? Os ministérios dependerem demasiado uns dos outros? A própria Comissão Europeia tem um comissário responsável para o Ambiente, Oceanos e Pescas.
Qualquer organização governativa tem riscos e oportunidades. A organização do Ministério da Economia e do Mar é uma enorme oportunidade para muscular as opções da economia do mar sustentável, de tirar partido da nossa identidade e do nosso património marítimo de muitos anos. Poderemos concretizar um vasto conjunto de desafios, desde as novas energias às robóticas, com o conhecimento dos oceanos. Nenhuma política se faz sozinha. As políticas públicas têm de ser muito concertadas.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)prevê 252 milhões de euros para desenvolver a economia do mar. Portugal está mais atrasado em que áreas?
Entre 2014 e 2020, foram investidos cerca 1,3 mil milhões de euros em atividades ligadas ao mar. É um número significativo. Não se tem, muitas vezes, noção do investimento, da agregação de valor e da quantidade de projetos de inovação que as universidades, os institutos politécnicos e as empresas têm desenvolvido. Eu diria que temos enormes oportunidades com o PRR.
Os fundos vão ser aplicados em que regiões?
O primeiro projeto é a criação de uma área do conhecimento nos Açores [no Faial]: ter um centro de inovação e de testes. Há um outro projeto muito importante, a plataforma logística ligada ao Ministério da Defesa. Ter um navio que possa ter várias componentes tecnológicas, do ponto de vista científico e da investigação, e poder eventualmete usá-lo em situações de crise. O terceiro projeto são os nove "hubs" azuis, que serão coordenados diretamente pelo Ministério da Economia e do Mar. Um dos "hubs" será a governança dos outros oito, onde serão associados vários polos, como centros de investigação, empresas e municípios. Vamos ter dois "hubs" no Porto, um em Aveiro, um em Peniche, três em Lisboa e um em Olhão.
Muitos responsáveis de estaleiros, de média e pequena dimensões, assumem que a falta de autonomia financeira condiciona o desenvolvimento. A nova vaga de fundos europeus pode ajudar?
Em muitos estudos, o setor da energia e o da construção naval, nomeadamente a reformulação dos navios, o chamado "green shipping", são apontados como os que vão crescer muito nos próximos anos. Há uma enorme oportunidade. Portugal tem grandes competências na área da engenharia, nos quadros intermédios e nos operários. Há ainda uma oportunidade na energia eólica e das ondas, para construir as infraestruturas [que estarão no mar] e de prestar os serviços de apoio.
Há empresas a construir embarcações elétricas em Portugal, mas queixam-se da falta de postos de carregamento nas marinas e nos portos. Há lacunas neste aspeto?
Naturalmente que sim. Estão previstos muitos investimentos na área dos portos. Os próximos quadros comunitários e o PRR têm instrumentos que vão ajudar e transformar os nossos portos em portos tecnológicos. A transformação energética é uma das preocupações. Temos de ter portos mais eficientes e sustentáveis, mas também temos de ter um sistema de abastecimento de energia elétrica, hidrogénio ou de outro tipo de combustíveis mais amigos do ambiente.
Há dirigentes de estaleiros que dizem produzir para fora porque não têm trabalho em Portugal. Prefere que os estaleiros portugueses produzam mais para o mercado nacional ou o estrangeiro?
Há uma grande preocupação para aumentar a capacidade instalada no domínio dos mares: termos mais embarcações não só da Marinha Mercante, mas também militares. Acredito que as indústrias da defesa vão ser desenvolvidas. Há muita expectativa de que possamos ter mais embarcações, como navios patrulha. Eu não vejo mal o facto de estarmos a construir para outros países, pelo contrário.
Quando considera que Portugal terá condições para ter uma zona com emissões controlodas ao longo da sua costa?
Um dos objetivos é integrar cerca de 30% do nosso espaço oceânico com áreas marinhas protegidas.Pretende-se que sejam espaços de conservação, mas também serviços ambientais que passam pela absorção do carbono. É um trabalho importante e que estamos a preparar para a segunda Conferência dos Oceanos das Nações Unidas [realiza-se em Lisboa entre 27 de junho e 1 de julho]. Vamos começar a fazer todo o processo legislativo, que nos permite ter a legislação para classificar as ´áreas marinhas e criar uma rede.
Portugal tem capacidade para produzir energia eólica a partir do mar. Veja-se o exemplo do Windfloat, o primeiro parque eólico flutuante do país. Há capacidade para produzir mais?
Sim. Estamos a fazer a atualização do plano de situação de ordenamento marítimo, ou seja, a identificar novas áreas para atribuição de futuras concessões e a associar as energias renováveis oceânicas a projetos de aquicultura e mesmo à produção de hidrogénio. Podemos ter a ambição de nos próximos dez anos atribuir uma capacidade possível de potência na ordem dos dez gigawatts. É uma possibilidade. As turbinas da Windfloat têm oito megawatts.
Um relatório de 2021 do Conselho Global de Energia Eólica, apesar de reconhecer o bom exemplo de Portugal, estima que o nosso país não fará parte do top 5 dos países produtores de energia eólica a partir do mar. Haverá um problema de escala?
Temos surpreendido as entidades que produzem indicadores. É uma grande motivação para conseguirmos ultrapassar e, de facto, estamos a liderar o processo. O novo plano de situação de ordenamento marítimo vai permitir a afetação de lotes, que vão ser disponibilizados através de um concurso. Estou confiante de que vamos ter um bom projeto e teremos uma grande capacidade de atração de novos investimentos.
Portugal tem a decorrer um processo nas Nações Unidas para expansão do seu território marítimo para os quatro milhões de metros quadrados. Como está o processo?
É um processo complexo e demorado, que envolve conhecimento de diversas áreas. Temos uma estrutura de missão que está dedicada. Os dois anos de pandemia não ajudaram na interação com a subcomissão da ONU, que está a avaliar, mas esperamos retomar.