Dos 117 municípios que assumiram essa competência do Estado, só 12 confirmaram ao JN que estão a exercê-la.
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Poucos municípios estão a processar e a cobrar multas de estacionamento no seu território, apesar de 117 câmaras já terem reclamado essa atribuição do Estado para si. A maioria (96) aceitou a competência em 2019. Essa tarefa da descentralização não saiu do papel em grande parte das autarquias que se predispuseram a executá-la. Ao JN, só 12 câmaras confirmaram que estão a cumprir: Gondomar, Maia, Aveiro, Almada, Paços de Ferreira, Crato, Abrantes, Lousada, Portimão, Torres Vedras, Tavira e Vila Nova de Poiares.
A descentralização do processamento e da cobrança das multas de estacionamento por infrações leves visa tornar o castigo mais expedito, além de ser uma fonte de receita para as câmaras. Somente os autos das infrações graves continuariam a ser tratados centralmente pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).
Das 117 autarquias que abraçaram a responsabilidade, 56 deram resposta ao inquérito do JN. Dessas, 12 estão a processar as multas e 44 ainda não o fazem, embora nem todas estejam no mesmo estágio. As câmaras de Olhão e Loures, onde a Polícia Municipal já fiscaliza o estacionamento ilícito desde 2005, passarão a cobrar as coimas este mês. Porto de Mós, Faro, Odemira, Entroncamento, Chaves e Elvas estreiam-se este ano.
Apontam o dedo à ANSR
Em Seia, os trabalhadores estão a receber formação, enquanto na Figueira da Foz as contraordenações leves, emitidas pela PSP e pela GNR, passarão a ser pagas por multibanco ou por transferência bancária diretamente à Câmara.
A Comunidade Intermunicipal do Oeste avalia a hipótese de assumir a cobranças das multas na região, ainda que Torres Vedras já esteja a executar a tarefa no seu concelho através da Promotorres. Vila de Rei e S. Pedro do Sul ultimam o regulamento municipal de estacionamento, mas esta autarquia admite "dificuldades técnicas a articular" com a ANSR. E não é a única apontar-lhe o dedo.
"Nada está a ser colocado em prática devido à falta da plataforma da ANSR", responde a Câmara de Mealhada. Também Golegã espera, desde outubro, que a ANSR conclua as "atualizações" à plataforma que os municípios usarão para processar e cobrar multas. Lousã não tem data para a "reunião solicitada" à autoridade. Amarante e Odivelas ainda não dispõem dos "meios e da orientação" para a operacionalização das coimas.
"Estamos a gerir a transferência com a ANSR e aguardamos pelo necessário sistema e plataformas eletrónicas para as ligações entre os serviços e entidades", acrescenta a Câmara de Odivelas. Também Baião reconhece que existem "dificuldades" técnicas na "forma de entrega dos autos pelas forças de segurança para o processamento pela autarquia".
A outra dificuldade é o acesso à base de dados de registo automóvel do Instituto dos Registos e do Notariado. O processo é moroso, pois obriga à realização de um protocolo entre as partes e depende do aval da Proteção de Dados.
No entanto, há câmaras que nem sequer iniciaram estes procedimentos, apesar de terem aceite esta responsabilidade. Por exemplo, o município de Campo Maior reconhece que, só com dois fiscais, não tem os recursos para exercer a competência com rigor e, com a atual pandemia, "não há condições" para recrutar o pessoal necessário.
O que muda com a descentralização
Aceitação traz obrigação
Ao aceitar a competência do Estado, as câmaras passam a ser responsáveis pela instrução de processos de contraordenação e aplicação da coima nas infrações leves de estacionamento dentro das localidades e nas vias fora das localidades, sob sua jurisdição. A GNR e a PSP têm de enviar os autos para as autarquias.
Usar sistema próprio
Muitas câmaras ainda não estão a exercer as novas obrigações, à espera do acesso à plataforma usada pelas autoridades policiais e pela ANSR para o registo das infrações e o levantamento dos autos. Contudo, a Direção-Geral de Autarquias Locais já esclareceu que, nos casos em que o acesso ainda não seja possível, as câmaras devem usar outros meios eletrónicos, remetendo, de três em três meses, a informação sobre os autos para a ANSR por e-mail.
De 55% a 100% da receita
Nas infrações leves e se a multa for passada por fiscal ou pela Polícia Municipal, a câmara fica com 100% do valor. Se o auto for levantado pela PSP ou GNR, fica com 70% do montante da coima. Nas infrações graves detetadas pelos fiscais ou Polícia Municipal, que continuam a ser processadas pela ANSR, 55% do valor da multa vai para as câmaras.
Receita de coimas pagas voluntariamente
ANSR só transferiu verba até maio de 2019
Todas as coimas e as cauções por infrações leves de estacionamento pagas voluntariamente pelos automobilistas à GNR e à PSP têm de ser enviadas pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) para os municípios que aceitaram exercer a nova competência. Até agora e de acordo com informação prestada pelas autarquias, a ANSR apenas transferiu os montantes arrecadados entre janeiro e 16 de maio de 2019. Das 56 câmaras que deram resposta ao JN, 30 indicaram o montante recebido, o que, na maioria dos casos, é pouco significativo. No total, são 123,7 mil euros.