Produtores, indústria e distribuição dizem não ter lucros excessivos. Portugal contraria países europeus.
Corpo do artigo
O preço do leite mais do que duplicou em ano e meio. As marcas brancas estão a ser vendidas, agora, a 86 cêntimos e as restantes acima dos 90. Portugal deixou de ser o país da Europa que paga pior à produção, mas, no percurso até ao consumidor, a margem de "lucro" quase triplicou. Indústria e distribuição garantem não estar a lucrar três vezes mais. Os produtores não veem margem para descidas, mas, na Europa dos 27, Portugal é um dos cinco estados onde o preço ainda não caiu.
Em ano e meio, o preço pago à produção em Portugal Continental subiu dos 29 para os 59 cêntimos. Ainda assim, o país fechou o ano passado com uma queda de 4% na produção de leite e menos quase 200 produtores. Este ano, a queda mantém-se: em fevereiro, face ao período homólogo de 2022, há menos 300 produtores (menos 8%) e menos cinco milhões de litros de leite entregues (menos 2%).
Na Europa, depois de bater recordes, o preço do leite à produção baixou, nos últimos dois meses, em 22 dos 27 países. Portugal é um dos cinco países onde ainda não houve redução. "Nos adubos e nos combustíveis, o preço estabilizou - e até há uma ligeira descida -, mas a soja continua a aumentar. Está a 615 euros a tonelada. A nossa principal despesa é a ração, que corresponde a cerca de 60% dos custos", garante, ao JN, Carlos Neves. O secretário-geral da Associação dos Produtores de Leite lembra que Portugal "também foi dos últimos países a subir o preço à produção". A grande subida - oito cêntimos - aconteceu em novembro, altura em que era ainda "o que pior pagava à produção na Europa". Um pódio que ocupou durante muitos anos.
Saldos acabaram
Com os aumentos excessivos dos preços dos bens alimentares na ordem do dia, Carlos Neves assegura que não é a produção "que está a ganhar muito dinheiro. Andámos anos com prejuízos, sem ganhar para pagar as despesas. Agora, estamos com margem, mas, com o preço das rações sem descer, ninguém está a enriquecer", concretiza.
Em outubro de 2021, havia promoções nos supermercados com leite UHT meio gordo a 39 cêntimos. Um ano e meio depois, não há "saldos" e as marcas brancas dispararam para os 86 cêntimos (mais 120%). Mas, entre a produção e o consumidor, a margem de dez cêntimos cresceu quase três vezes: é de 27 cêntimos.
A indústria argumenta que está a fazer "um esforço enorme". Subiram a energia, com impacto direto no tratamento térmico do leite, e os custos da embalagem - de dez para 12 cêntimos - e da logística. Acresce que, quando leite custava "39 cêntimos, o IVA era de dois cêntimos. Agora, é de cinco", sustenta a diretora-geral da Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios. Maria Cândida Marramaque salienta que a indústria não está a "tirar lucros, mas apenas o necessário para manter a cadeia robusta". Portugal é autossuficiente em leite e "não tem interesse em perder esta mais-valia". Haverá descidas em breve? "É impossível prever", frisa ainda.
Já a APED dá conta de que aumentou os preços dos produtos alimentares em 16,2%, quando, na produção, o crescimento é de 33,6% e, na indústria, de 18,4%. O diretor-geral da associação, Lobo Xavier, lamenta os "rumores e a desconfiança", gerado pelas mais recentes notícias, nomeadamente as da ASAE sobre as margens de lucro dos supermercados.
Pormenores
Quem não baixou
Portugal junta-se a Malta, Hungria, Chipre e Grécia na lista dos países europeus que ainda não baixaram os preços do leite. Nos Países Baixos já desceu 6,5 cêntimos, na Polónia cinco, na Bélgica e na Dinamarca baixou três.
Produção em 2021
Em 2021, produzimos 1,9 milhões de toneladas de leite. Cerca de 663 mil toneladas são consumidas, 117 mil toneladas vão para iogurtes, 68,5 mil para queijo, 26 mil para leite em pó e 25,2 mil toneladas para manteiga.
14.º lugar na Europa
Portugal é, agora, o 14.º país na lista das nações que mais pagam à produção pelo leite. O preço de 54,37 cêntimos está muito perto da média europeia: 54,75 cêntimos.