Ao contrário do que muitos esperavam, o primeiro-ministro não exonerou o ministro das Infraestruturas. Demitir João Galamba "seria seguramente mais fácil", admitiu António Costa, mas o líder do Governo quis dizer aos portugueses que é uma pessoa responsável e com sentido de Estado. Ou pleno de "consciência", essa palavra que usou sete vezes e em torno da qual construiu o discurso que pode marcar um novo rumo nas relações entre São Bento e Belém.
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"Entre a facilidade e a minha consciência, lamento desiludir aqueles que vou desiludir, mas dou primazia à minha consciência". Foi com esta frase que António Costa terminou a intervenção inicial, terça-feira, quando anunciou que mantinha João Galamba como ministro das Infraestruturas depois de este ter pedido a demissão.
A palavra consciência remete para sinceridade, probidade e honradez que, num momento tenso e pejado de acusações de falta de transparência como as que ocorreram nos últimos dias, Costa achou imperioso transmitir.
Sempre que o primeiro-ministro falou em demissão, sucedeu-lhe a palavra consciência. Ambas foram referidas sete vezes, numa tentativa de mostrar uma decisão que acarreta elevada responsabilidade (termo usado cinco vezes) e que foi bem ponderada. Usou a mesma palavra para dizer que tem "consciência de que a demissão do ministro tem sido insistentemente reclamada", mas aceitar essa demissão seria violar "a consciência" do primeiro-ministro.
Em nove minutos de intervenção, o primeiro-ministro esforçou-se para tirar as culpas de João Galamba e atribuí-las ao ex-adjunto do Ministério das Infraestruturas, Frederico Pinheiro. Para o fazer, referiu seis vezes as palavras "documentação classificada" e "computador". Explicou que, depois da demissão de Frederico Pinheiro, este deslocou-se ao Ministério das Infraestruturas de onde "procurou roubar" o computador de serviço e "reagiu de forma violenta".
Assim, Costa pôde admitir por três vezes que o episódio ocorrido no gabinete do Ministério foi "deplorável", o que era unânime e já tinha sido admitido pelo próprio primeiro-ministro na segunda-feira. Só que, ao mesmo tempo que classificou o episódio de deplorável, conseguiu atribuir a responsabilidade pelo sucedido a Frederico Pinheiro, autor do "roubo", palavra usada três vezes.
Pelo caminho, ainda ilibou de responsabilidades os membros do Ministério das Infraestruturas que alertaram as autoridades: "Os membros do gabinete que participaram às autoridades o roubo de um computador contendo documentação classificada não só não cometeram nenhuma infração como cumpriram o seu dever".
Numa altura em que muitos acusam o Governo de descoordenação e de não saber o que está certo ou errado do ponto de vista moral, a "consciência" enquanto faculdade da razão julgar os próprios atos apresentou-se como uma forma astuta de António Costa explicar como chegou, com responsabilidade e ponderação, a uma decisão difícil que não agradou, como se viu depois, ao presidente da República.