
REUTERS/Rafael Marchante
Os dois maiores jornais espanhóis dedicam os editoriais desta quinta-feira à situação portuguesa. O "El Mundo", mais popular, defende que Cavaco deve empossar Costa como primeiro-ministro. Um "difícil desafio" para o líder do PS, segundo o "El País".
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O diário espanhol "El Mundo" escreve, esta quinta-feira, em editorial, que o Presidente da República "deve respeitar a maioria da aliança de esquerda" em Portugal, mas alerta quanto a um eventual regresso "ao descontrolo das contas públicas".
O jornal recorda que o Governo de Passos Coelho foi derrubado "apenas 11 dias depois da sua constituição", "mediante uma moção que pôs em evidência que os conservadores não contam com uma maioria parlamentar suficiente" e recorda o papel de Cavaco Silva ao indigitar o primeiro-ministro.
"Extravasando as funções de neutralidade exigidas pelo cargo, o Chefe de Estado português fez finca-pé em que o seu correligionário Passos Coelho formasse Governo. Neste momento, Cavaco tem duas opções: manter um executivo em funções até que se possam fazer novas eleições - nunca antes de junho de 2016 - ou indigitar um Governo da esquerda", escreve o diário espanhol.
Para o "El Mundo", "as regras do sistema parlamentar português e o respeito ao resultado das urnas exigem que Cavaco opte por esta segunda opção".
No entanto, o jornal aponta que existe uma questão completamente diferente: o futuro de Portugal com um executivo "formado por uma heterogénea amálgama de partidos" [PS, PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes].
"É a primeira vez desde 1975 que os socialistas se põem de acordo com a extrema-esquerda e isso provocou o receio dos mercados sob a forma de pressão sobre a dívida e quedas da bolsa em Lisboa", adianta o "El Mundo".
Os difíceis desafios de António Costa
Entre as medidas acordadas pelas forças de esquerda, recorda o jornal, destacam-se "a reposição integral dos cortes salariais aos funcionários, um aumento gradual do salário mínimo dos 505 euros atuais para os 600 euros em 2019, atualizar as pensões e anular várias privatizações".
"Parece difícil, com este programa, cumprir os objetivos de défice fixados pela UE", diz o "El Mundo", recordando que "Portugal foi resgatado pela "Troika" em 2011 ao receber 78 mil milhões de euros".
"Desde então, reduziu o seu défice público de 11% para 4,5% e saiu de uma recessão para registar um crescimento de 0,9% em 2014. O maior perigo agora para a economia lusa é que o regresso da esquerda ao poder, ainda que legítima, implique o regresso ao descontrolo nas contas públicas", conclui.
Um discurso em linha com o "El País". Em editorial, argumenta que um provável Governo de António Costa terá de "superar incertezas" e "manter um equilíbrio" entre posturas de rotura e políticas parecidas com o executivo anterior.
Para o diário, "Costa deverá [...] superar as incertezas e manter um equilíbrio entre as posturas de rotura para com a Europa, o euro e a NATO e aquelas que não se afastam muito do seu antecessor conservador".
O líder socialista, diz o jornal, tem o "difícil desafio" de conservar a recuperação conseguida até agora, além de fazer com que os portugueses sintam "melhorias na vida quotidiana".
Num texto intitulado "Aliança em Portugal", o "El País" sublinha que "a queda do Governo português do conservador Pedro Passos Coelho" abre "uma nova etapa num dos países europeus cuja população mais sofreu os efeitos da crise económica".
O jornal recorda que "a coligação conservadora ganhou as eleições de forma clara, mas perdeu a maioria absoluta" e que "o voto pela mudança" se diluiu em várias opções - "socialistas, comunistas e nova esquerda" [como descreve o Bloco de Esquerda].
"Com programas distintos, mas um quadro comum: a oposição, em diferentes graus, à dura política de austeridade do Governo", refere o jornal.
Passos era "uma solução demasiado provisória e frágil"
Sobre a decisão do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, de indigitar Passos Coelho para formar Governo, o "El País" sustenta que "já se desenhava como demasiado provisória e frágil".
Ainda assim, adianta, "as forças da oposição de esquerda, diversas no que propõem e nas suas estratégias, mas coincidentes na necessidade de mudanças no foco económico, demoraram 11 dias a fazer cair o Governo".
Escreve o "El País", Portugal "fez esforços mais do que importantes para salvar a sua economia da crise".
"A sociedade, com um espírito de sacrifício exemplar, assumiu os ajustes que dificilmente teriam sido possíveis noutras latitudes. O novo Governo, provavelmente encabeçado pelo socialista António Costa, tem diante de si o difícil desafio de conservar o que se conseguiu até agora em termos de recuperação e conseguir, ao mesmo tempo, que os seus compatriotas sintam melhorias na sua vida quotidiana", sublinha o diário espanhol.
Nas páginas do "El País", o correspondente em Lisboa também aborda a situação política em Portugal, escrevendo que os socialistas procuram "um complexo equilíbrio entre tranquilizar os credores da Eurozona e os mercados internacionais" e "manter a coesão da heterodoxa aliança com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda".
Os três partidos, adianta, "partilham a recusa à austeridade, mas a sua visão da política económica contém sérias divergências, como se reflete nos vários acordos assinados entre os partidos", que "diferem quanto ao controlo dos equilíbrios orçamentais".
"Nos documentos 'Posição conjunta sobre a solução política', a única posição comum dos quatro [PS, PCP, BE e Os Verdes] é evitar uma moção de censura do PSD-CDS", realça.
