Seis meses depois dos dois primeiros casos positivos no país, e a três semanas da chegada do outono, a estratégia do Governo para receber uma nova vaga de covid-19 no tempo frio ainda não está fechada, o que deixa médicos e administradores hospitalares preocupados com as repercussões do arranque do ano letivo e do regresso de profissionais em teletrabalho.
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Consideram as medidas já conhecidas para o Serviço Nacional de Saúde como "avulsas" e "insuficientes".
Na segunda-feira, o Ministério da Saúde anunciou mais 8,4 milhões de euros para testagem, o aumento da capacidade de cuidados intensivos num investimento de 26 milhões de euros, e a distribuição de 716 ventiladores, de um total de 1196, pelos hospitais. Ao JN, a tutela adiantou que está a receber contributos para a criação da "Estratégia Integrada para o Outono-Inverno".
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Para Alexandre Lourenço não basta os hospitais reforçarem os seus planos de contingência para o inverno. São necessárias "medidas integradas que tenham a perspetiva de rede", explica o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), que permitam resolver, por exemplo, o problema dos internamentos sociais, libertando camas indevidamente ocupadas.
Um levantamento feito pela APAH em maio mostrava que dos 810 doentes internados na altura com covid-19, 147 eram internamentos sociais. Ou seja, de pessoas que não precisavam de cuidados hospitalares mas que ainda se mantinham nas unidades por não terem alternativa.
No caso dos lares de idosos, onde se registaram 40% das mortes até agora, a resposta passa por criar equipas de intervenção para agir em eventuais surtos (18 já anunciadas pela tutela). Manuel de Lemos, da União das Misericórdias Portuguesas, sublinhou que o importante "é não deixar o vírus entrar" nos estabelecimentos e que o conhecimento das instituições sobre como lidar com a doença é maior do que há seis meses.
Minimizar transmissão
Segundo o pneumologista Filipe Froes, o sucesso na resposta a uma segunda vaga vai depender da "atividade do SARS-CoV-2" ao mesmo tempo que circulam outros vírus respiratórios como o influenza" [gripe], "da resiliência dos profissionais de saúde" e do "equilíbrio" que será necessário manter para assegurar a atividade não covid-19.
O coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a covid-19 considera que, antes do arranque do novo ano escolar, é preciso tomar "todas as medidas" para minimizar a transmissão do vírus e aumentar os recursos para tratar a segunda onda. Lamenta que as regras para as escolas sejam conhecidas "uma semana antes do início das aulas".
Testes demorados
Os centros de saúde, primeira linha para os utentes, ainda não retomaram o funcionamento anterior à pandemia. Muitos funcionam a meio gás e são vários os relatos de "centros de saúde que não atendem o telefone ou que estão total ou parcialmente fechados", como frisou o líder do PSD, Rui Rio, após uma visita ao hospital de S. João, no Porto.
Rui Nogueira confirma as dificuldades. "Não temos telefones, nem pessoas para os atender", alertou o dirigente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Segundo o responsável, nem médicos nem utentes podem ficar 48 horas à espera do resultado de um teste. O médico defende a eliminação de procedimentos, como as baixas para pessoas com sintomas de covid-19, "em regiões onde estejam a surgir mais casos", para libertar profissionais.
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A melhorar
Responsáveis ouvidos pelo JN defendem que é preciso devolver capacidade de atendimento aos centros de saúde e pô-los a funcional em articulação com os hospitais, agilizar a realização de testes e recuperar e manter a atividade não covid-19.
Medidas já tomadas
A antecipação da vacina da gripe e a inclusão dos trabalhadores dos lares, entre outros grupos, na vacinação gratuita. Reforço das camas de intensivos e formação de mais médicos e enfermeiros para as operar. Reporte de doentes ligeiros sobre os sintomas sem precisar de contacto médico. Aquisição de 6,9 milhões de doses da vacina para a covid-19.