Projeto de revisão constitucional do PS deixa de fora revisão do sistema político
O projeto de revisão constitucional do PS, que deu entrada esta sexta-feira, no Parlamento, debruça-se sobretudo sobre a lei dos metadados e os confinamentos, embora reforce direitos individuais. Mas deixa de fora a reforma do sistema político, conforme António Costa avisara e o PSD pretende fazer.
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Foi quase três horas antes do final do prazo que o PS entregou, no Parlamento, o seu projeto de revisão constitucional, cuja grossa parte debruça-se sobre a lei dos metadados, que foi considerada inconstitucional, consagrando ainda os confinamentos obrigatórios em caso de saúde pública.
Aliás, a questão das regras sanitárias ocupa pouco mais do que um parágrafo, ditando-se a "separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves, determinada pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência de saúde pública, com garantia de recurso urgente à autoridade judicial".
Trata-se de uma medida também prevista no projeto de lei do PSD, embora os sociais-democratas determinem ordem judicial, e que tem causado polémica, esbarrando já na oposição da Ordem dos Advogados.
Mas o grosso do diploma, que foi entregue esta sexta-feira, incide sobre a "limpeza" de inconstitucionalidades na lei dos metadados. Por exemplo, determina-se que "a vigilância eletrónica do domicílio só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente". E permite-se, "mediante autorização judicial", a conservação dos dados recolhidos "para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional, da segurança interna de prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada".
"A lei define o conceito de dados pessoais, garante o seu tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto na lei, estabelecendo ainda as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, bem como a sua proteção, designadamente através de entidade administrativa independente", propõe ainda o PS.
No diploma de revisão constitucional dos socialistas, fixa-se ainda "garantias efetivas contra a intrusão digital, incluindo a gravação de voz e de imagem e a captação de dados biométricos, designadamente, por parte de operadores de comunicações e de titulares de aplicações eletrónicas".
"A lei estabelece os termos em que pode ser assegurado o direito ao esquecimento digital, com salvaguardada realização de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos", determina, por fim o PS.
O diploma deixa, contudo, de lado a maior reforma que o PSD e o Chega pretendem fazer na Constituição Portuguesa, que incide sobre o sistema eleitoral, com alterações no mandato presidencial, nas legislativas, na idade legal para votar, nas autonomias regionais e com a redução do número de deputados.
O PS já se tenta aproximar do PSD ao retirar da Constituição o dever do Estado de criar "um sistema público" de ensino e fixando o ensino secundário como obrigatório. Mas nada diz sobre a possibilidade de recurso aos setores privados e social, conforme pretendem os sociais-democratas.
Os socialistas já piscam o olho à esquerda, em particular ao ao PCP, ao reforçar os direitos dos trabalhadores, nomeadamente eliminando a "precariedade dos vínculos e das condições laborais". Ao BE ao assegurar o direito à autodeterminação de género. E tentam "namorar" o PAN ao consagrar na Constituição o direito ao bem-estar animal.
No projeto do PS, determina-se ainda que "todos têm direito, nos termos da lei, aos serviços de interesse económico geral em condições de universalidade, igualdade e equidade".
"São serviços de interesse económico geral os de fornecimento de água, de saneamento, de energia, de transportes coletivos urbanos, de telecomunicações, de correios e outros previstos na lei. Quando se trate de atividades abertas à atividade privada, a lei estabelece as necessárias obrigações de serviço público às empresas encarregadas da sua prestação", lê-se ainda num diploma, com uma maior aproximação à esquerda do que ao principal partido da oposição, essencial para a obtenção de uma maioria de dois terços dos deputados.