Abstenção do partido de André Ventura ajuda a viabilizar uma proposta do PS, outra do PCP e duas do BE. Diplomas do Governo, Chega e IL vão à especialidade. PSD fala em “coligações negativas”.
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A abstenção do Chega foi esta quarta-feira decisiva para aprovar quatro projetos de lei propostos pela Esquerda para reduzir o IRS. Um deles tinha sido apresentado pelo PS, outro pelo PCP e os dois restantes pelo BE, sendo que a IL também votou a favor dos diplomas bloquistas e se absteve nos outros. A proposta do Governo para reduzir o IRS baixou à especialidade durante duas semanas, tendo ocorrido o mesmo com as de IL e Chega (neste último caso por 60 dias). PSD e CDS votaram contra os seis diplomas apreciados, mas apenas conseguiram chumbar os de Livre e PAN.
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, lamentou que se tenham gerado “coligações negativas”, entre elas a que fez o Chega “viabilizar a proposta do PS”. O social-democrata disse esperar que, dentro de 15 dias, o Parlamento possa ter pronto um texto comum sobre a redução do IRS.
“Nem um café paga”
Nos últimos dias, o Chega tinha avisado que se sentia mais próximo da proposta do PS do que da do Governo - ontem considerada insuficiente da Esquerda à Direita -, tendo chegado a pairar o cenário de chumbo do diploma do Executivo. Esta quarta-feira, já no plenário, André Ventura reforçou, avisando a AD: “Entre vocês e os portugueses, escolhemos os portugueses”.
Hugo Soares evitou esse possível desfecho pedindo a descida da proposta governamental à comissão, momento que gerou reações irónicas em várias bancadas. O social-democrata reagiu dizendo ser “curioso” que os que falam em “diálogo e consenso” sejam os mesmos que “apupam uma baixa à comissão para podermos dialogar”.
Antes das votações, PS e Chega defenderam que a descida do IRS pensada pelo Governo é injusta e está longe de ser um “choque fiscal”. Referindo que a redução será de cerca de dois euros para quem ganhe mil euros por mês, o deputado socialista Sérgio Ávila vincou que esse valor “não dá para pagar um café de 15 em 15 dias”. Ventura reforçou que, em certas zonas de Lisboa, “nem um café paga”.
O ministro das Finanças, Miranda Sarmento, tentou colar o Chega aos socialistas. Acusou Ventura de ter “posições próximas do PS”, como o desejo de que “as pessoas que ganham 1300 euros líquidos não tenham qualquer benefício em sede de IRS” por serem “ricas”.
Este argumento foi repetido na resposta a Sérgio Ávila. Miranda Sarmento disse nunca ter usado a expressão “choque fiscal”, referindo também que o alívio fiscal foi pensado para uma legislatura inteira e não “para a primeira semana”.
A dada altura, de modo a rechaçar as críticas dos vários partidos, Sarmento disse que não se pode dar “um passo maior do que a perna”, expressão muito usada por António Costa quando queria apelar ao realismo. O Programa de Estabilidade do Governo foi viabilizado graças à abstenção do PS.
Dedução específica pode ser atualizada no OE
O ministro das Finanças admitiu, durante o debate parlamentar, que poderá considerar a atualização da dedução específica no Orçamento do Estado (OE) para 2025, como forma de reduzir o IRS “de quem trabalha”. A garantia de Miranda Sarmento foi dada em resposta a uma pergunta da líder parlamentar do PCP, Paula Santos.
“A atualização da dedução específica é um instrumento que poderá ser considerado aquando do Orçamento para 2025, junto com a redução de taxas, de forma a reduzir o IRS de quem trabalha”, disse o governante.
A dedução específica está congelada desde 2015 nos 4104 euros. Nos salários em que os descontos para a Segurança Social ou equivalente são superiores, é considerado esse montante. Tanto o PCP como o BE defendem a subida do valor.
Paula Santos argumentou que a dedução específica é uma forma eficaz de aliviar o IRS “nos rendimentos baixos e intermédios”. Vincou que o congelamento do valor faz com que, na prática, os trabalhadores estejam “a perder poder de compra”.
A comunista quis também saber se o ministro acha “justo” que os rendimentos de capital sejam menos tributados do que os salários intermédios. Tal como tinha feito com PS e Chega, o ministro lamentou que, para o PCP, quem ganhe pouco acima dos mil euros seja considerado “rico”.