O Parlamento Europeu debateu na quarta-feira, por proposta do PCP, o impacto da subida das taxas de juro no dia-a-dia das populações. O eurodeputado comunista João Pimenta Lopes argumentou que a decisão do Banco Central Europeu (BCE) "é política e não técnica". Ao JN, considerou a posição de Christine Lagarde "desumana" e lamentou que Marcelo Rebelo de Sousa não tenha abordado o tema ao discursar perante os eurodeputados.
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"Ao fim de sete aumentos consecutivos [da taxa de juro de referência, desde julho de 2022], finalmente debatemos aqui o impacto da subida das taxas de juro decididas pelo BCE", afirmou João Pimenta Lopes, no hemiciclo.
O comunista salientou que, "ao contrário do que alguns pretendem sugerir", a subida das taxas de juro "é uma decisão política e não técnica". Nesse sentido, considerou "inconcebível" que ela seja tomada "sem atender às causas predominantes da inflação" e aos efeitos que esta gera em cada país.
Pimenta Lopes criticou o comissário europeu do Trabalho e dos Direitos Sociais, Nicolas Schmit - que tinha discursado pouco antes - por lamentar o impacto da inflação nos salários quando a Comissão Europeia "é corresponsável por políticas que defendem os baixos salários".
O comunista advogou ainda que as "causas reais" da inflação apenas se combatem adotando "medidas urgentes", nomeadamente utilizando os lucros dos bancos para suportar o fardo da subida dos preços. "As famílias não podem ver a sua situação agravada quando a banca continua a acumular lucros", frisou.
Além de Pimenta Lopes, também intervieram os eurodeputados portugueses Sandra Pereira, igualmente do PCP, e Pedro Marques, do PS. A primeira criticou as "políticas neoliberais" da Comissão, ao passo que o segundo avisou Christine Lagarde, presidente do BCE, de que "a economia são as pessoas" e não "apenas números".
Problema da habitação é "dramático"
"Foi a segunda vez que pedimos formalmente o debate no plenário", contou Pimenta Lopes ao JN no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. A primeira tinha sido em março mas, "infelizmente, a Direita bloqueou esse debate, com os votos do PSD e do CDS", lamentou.
Questionado sobre o motivo pelo qual entende que a discussão de março foi impossibilitada, o comunista respondeu, visando a Direita, que "cada deputado se pauta pelos interesses que defende". No entanto, também não poupou o PS, lembrando que, por dispor de maioria absoluta, o partido do Governo poderia responder à inflação de outra forma caso tivesse "vontade política".
Para procurar demonstrar a pertinência do debate, Pimenta Lopes falou do "sufoco" que muitas famílias vivem. Frisou que, para muitas delas, o problema deixou de ser a dificuldade em pagar a prestação da casa, para passar a ser o risco iminente de ter de entregar a habitação ao banco.
"Está criada uma situação dramática", afiançou o eurodeputado. No entender do PCP, é "fundamental" garantir que "nenhuma família fica numa situação de poder perder a sua casa".
Críticas a Lagarde e reparos a Marcelo
João Pimenta Lopes sublinhou que, recentemente, a própria Christine Lagarde reconheceu que a subida das taxas de juro coloca muitos trabalhadores em dificuldades. No entanto, "de uma forma desumana, disse que nada podia fazer", criticou.
Na quarta-feira, horas antes, Marcelo Rebelo de Sousa tinha discursado no Parlamento Europeu. Na reação à intervenção do presidente da República, Pimenta Lopes lamentou que a questão dos juros não tenha sido abordada. Ao JN, referiu que o presidente talvez tenha decidido dessa forma devido ao "compromisso" que tem com o projeto da União Europeia.
O eurodeputado referiu que, mais do que fazer o diagnóstico do problema, o debate pedido pelo PCP visou "apontar caminhos e soluções". E, no seu entender, para além da chamada dos bancos à responsabilidade, há outras duas respostas imperativas: uma é a reversão da subida das taxas de juro, a outra é o aumento de rendimentos, aliado ao controlo dos preços de bens essenciais.
E poderá este debate europeu ter consequências práticas? João Pimenta Lopes respondeu que a questão não é tanto essa, mas sim, sobretudo, "chamar à liça os diversos responsáveis" - uma vez que a Comissão Europeia esteve presente e teve de se pronunciar. "Estaríamos mais longe de consequências práticas se este debate não tivesse lugar", concluiu.
O comissário Nicolas Schmit reconheceu que a inflação tem mais impacto "em pessoas com rendimentos mais baixos". No entanto, argumentou que a Comissão está apostada em evitar "consequências ainda mais dramáticas", pedindo ainda que não se ignorem as consequências da pandemia e da guerra da Ucrânia.