Governo foi rápido a levar em conta recomendações dos dois relatórios à tragédia de Pedrógão Grande, que passavam por mudanças substanciais na Proteção Civil. Mas medidas prometidas estão com atraso significativo.
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O Governo não conseguiu colocar no terreno, na data limite que impôs a si mesmo, a maioria das medidas recomendadas pelos dois relatórios aos incêndios trágicos que varreram a região de Pedrógão Grande, entre 17 e 24 de junho do ano passado, e mataram 66 pessoas. O final do primeiro trimestre de 2018 era o prazo para estarem prontas algumas das medidas mais estruturantes.
A importante resolução do Conselho de Ministros, de 21 de outubro de 2017, levou em conta quase todas as propostas da Comissão Técnica Independente (CTI), conhecidas a 12 de outubro, e as do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, de 16 de outubro, muito menos extensas do que as primeiras. Porém, a verdade é que a grande parte que visava uma alteração substancial da prevenção e do combate aos fogos ou ainda está a ser aplicada ou nem sequer chegou a sair do papel.
Oito meses sobre o extenso caderno de encargos - aprovado três dias após a queda da então ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa -, a limpezas das matas e a criação do sistema de aldeias seguras são das poucas medidas efetivadas. Outras, como a resolução dos problemas da rede de comunicações SIRESP, mudanças estruturais na Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) e aquisição de viaturas e materiais, estão ser aplicadas de forma lenta. Há ainda aquelas que avançaram de forma rápida, como o programa de fogo controlado, mas que ficaram aquém do pretendido. A lista é extensa, fica aqui o retrato das mais importantes.
ELIMINAR FALHAR
Melhorias no SIRESP ocorrem até 2021
Por demais conhecidas as falhas que ocorreram com o sistema de comunicações da Proteção Civil, aquando da tragédia, foram recomendadas oito medidas pela CTI, entre as quais a aquisição de mais antenas e a formação das forças que usam esta rede. Apenas há dois meses, o Governo alterou o contrato que tem com o consórcio que gere o SIRESP, de forma a ir ao encontro do que prometeu. De 15,65 milhões de euros de investimento, a decorrer até 2021, avançam este ano 8,2 milhões na aquisição de mais antenas, estações-base do continente e 18 geradores de emergência. Todavia, não só não foram aplicadas multas à empresa pelas falhas ocorridas, como o Estado não se tornou ainda o maior acionista do SIRESP como queria.
ESTRUTURAR E O SABER FAZER
Criação de agência com mão estrangeira
A proposta de criação de uma Agência de Gestão Integrada de Fogos (AGIF) mereceu um capítulo inteiro do relatório da CTI, para que ficasse clara a sua missão. Cerca de dez dias após ser conhecido o documento, o Governo nomeou o especialista em fogos Tiago Oliveira para liderar a estrutura que tem como função constituir a AGIF, que, para a CTI, deveria funcionar junto do poder político, "como antecipadora e no apoio ao planeamento, à decisão e intervenção", quanto à prevenção e ao combate.
João Guerreiro, presidente da CTI: "Destaco a decisão imediata de criar a AGIF, um forte instrumento para associar conhecimento a todo a este processo, e a lei orgânica da Proteção Civil, que, apesar de um processo lento, vai - espero - fornecer ao topo de comando os mais dotados."
Em janeiro, saiu o diploma da sua constituição, que estabeleceu o prazo 2019 para estar em funcionamento. Tiago Oliveira pouco tem referido os moldes da AGIF, ainda que já tenha admitido vontade de a vir a presidir. Mas tudo aponta para que seja uma entidade com poderes que se sobreponham aos da própria ANPC.
Tem cabido à estrutura levar a cabo uma das outras propostas: um "Laboratório Colaborativo" com especialistas de várias disciplinas. A recente estreia de três espanhóis em workshops da Proteção Civil não foi totalmente pacífica, com críticas da Liga de Bombeiros e o próprio presidente da ANPC, Mourato Nunes, a lembrar que há conhecimento português na área. O objetivo de Tiago Oliveira passa por trazer até Portugal umas dezenas de peritos estrangeiros, para que deem formação aos portugueses e apoio às decisões do Comando Nacional.
BOMBEIROS E COMANDOS
Profissionalização está a meio gás
Segundo a CTI, é necessária a formação dos bombeiros voluntários, assim como avançar "progressivamente" com a profissionalização do setor, para tornar o sistema eficaz. A par disso, foi recomendado que os comandos da ANPC deixassem de ser de nomeação política mas por concurso, de acordo com as aptidões - o que não deixou de ser uma enorme crítica ao Governo, que, dois meses antes de Pedrógão, tinha mudado cerca de metade dos comandantes da ANPC.
A lei orgânica da estrutura da ANPC, que teria de ver a luz do dia no final do primeiro trimestre de 2018, é agora apontada para daqui a meses. Já quanto aos bombeiros, foi anunciado um reforço da Força Especial de Bombeiros (FEB) e a integração na função pública dos que têm vínculos precários. Mudanças na Escola Nacional de Bombeiros ainda não são conhecidas. E quais os moldes em que será feita a necessária formação destes elementos também não.
PREVINIR E LIMPAR
Ameaça de multas teve eficácia invulgar
A CTI pediu a aplicação efetiva da criação das faixas de combustível, na lei desde 2006. Sob a ameaça de multas elevadas para os prevaricadores e graças a uma enorme campanha no terreno com vários agentes políticos - a que não faltou Marcelo Rebelo de Sousa -, nos primeiros cinco meses de 2018, o Governo levou o país a uma corrida à limpeza dos matos junto às povoações, casas e fábricas. O trabalho que não foi feito está nas mãos das autarquias, que criticam o prazo e o financiamento da medida.
FORMAR PARA PROTEGER
Oficiais em mais de mil aldeias e alertas
A imagem das populações de Pedrógão desorientadas e sem acesso a alertas ficou na memória coletiva e motivou críticas dos relatórios. O Governo avançou com a criação do plano "Aldeias Seguras", no Norte, Centro Litoral e no Algarve, com mais de mil localidades a aprenderem a escapar às chamas. E, desde de 1 de junho, está ativo o sistema de envio de SMS, que irá alertar para incêndios.