A crise chegou há já um par de anos, mas quem está a trabalhar começou a senti-la em Junho. Quando, a urgência do equilíbrio das contas públicas - precipitada pelos mercados financeiros que começaram a fazer contas ao nosso endividamento e pressionada por Bruxelas - obrigou o Governo a avançar com alguma contenção de despesa, com aumentos de impostos e a arrepiar caminho na promessa de não mexer nos impostos.
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Esta necessidade de ajustar o discurso à urgência de arrecadar mais receita explica a forma titubeante e atrapalhada como medidas, pormenores e prazos foram sendo lançadas. Às primeiras e tímidas medidas, o Governo teve de juntar um PEC II, onde a subida de impostos ganhou força e está já a produzir efeitos: através do IVA e do IRS retido. Às críticas da mudança no discurso juntam--se os que vêem inconstitucionalidade em algumas das mudanças.
Se dúvidas houvesse sobre o peso das medidas pelo lado da receita, bastaria um rápido olhar pelos números para concluir que quem mais vai contribuir para a redução do défice são os contribuintes. E não há sequer certezas absolutas que no longo caminho da consolidação não venham a ser necessários novos "acertos" fiscais. Silva Lopes refere que dificilmente haverá margem para mais aumentos, o que não significa que acredite que isso não venha a acontecer. "O Governo está a ser pressionado por Bruxelas e mesmo que diga que não aumenta mais os impostos, nunca se sabe".
Reduzir o défice pelo lado dos impostos não é propriamente a melhor receita, mas depois de anos a gastar "acima das nossas posses", chegou o momento de "pagar a factura", alerta João César das Neves, docente da UCL. "Agora que a torneira do crédito se fechou, há que mostrar que somos sérios na consolidação orçamental" e a forma "mais imediata de ajustar" é aumentar os impostos.
Silva Lopes avança um retrato do país que evidencia um ciclo vicioso: as medidas que atacam o problema orçamental travam o crescimento económico, que por sua vez agrava o desemprego e não permite travar o outro problema do défice externo. Tudo somado, faz o antigo ministro das Finanças confessar-se "muito pessimista" ainda que desdramatize o efeito que o aumento dos impostos está a ter na carteira dos portugueses que trabalham: "Estou mais preocupado com os desempregados do que com o rendimento dos que trabalham".
Habituado a lidar de perto com quem paga os impostos (empresas ou cidadãos), o bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas aponta a "espécie de quadratura do círculo" em que Portugal se encontra: cortar despesa é uma necessidade reconhecida por todos, mas há sempre contestação quando se anuncia. Do lado da receita, "resta saber até onde é ainda possível esticar mais a corda". O corrente ano ficará na memória das portugueses como o ano em que viram a factura fiscal reduzir-lhes o dinheiro na carteira, mas há que estar atento, lembra António Ernesto Pinto, da Deco, porque para o ano, a retenção na fonte ainda vai subir mais.
O Melhor
Optar por concentrar a maior parte do esforço de redução do défice nos dois primeiros anos de consolidação orçamental.
O pior
A confusão de datas e falta de pormenores que acompanharam os aumentos de impostos que foram sendo decididos e anunciados.