Elisabete Pereira Foi despedida em março, quando a hotelaria fechou portas. Grávida de quatro meses. De Diego. Só pede um trabalho.
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Quando um bebé dobra o riso, congelas no tempo. Devolves-te ao ventre. Abraças o vermelho. Lembras-te da Ana, de Manuel António Pina. Do "coração ali à mão, os pulmões ali ao pé, ver como a mãe é, do lado que não se vê". E regressas. Ao Diego, puros cinco meses de idade, agarrado ao coração de Elisabete.
E juntas maternidade com desemprego. Vida com morte. Presente com sonhos. O presente de Elisabete é duro. O passado também o foi. Os sonhos são simples. Trabalhar. Aos 36 anos, despedida grávida de quatro meses quando a pandemia nos roubou a paz, Elisabete só quer um trabalho. Não pede emprego.
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Como milhares de portugueses, esta mãe de dois rapazes viu-se na fila do centro de emprego quando a hotelaria fechou portas. Era empregada de andares. Ela e a mãe. No mesmo hotel. Ficaram as duas sem trabalho. E é na mãe, Otília, que Elisabete Pereira ampara o ventre. O seu e o dos filhos.
Vive na casa da mãe, no bairro da Monte Bela, no Porto. E, por isso, não é considerada monoparental - só o seria se fosse o único adulto na casa. Não tendo, por isso, direito a majoração no abono de família. As contas são simples de fazer. Entre subsídio de desemprego e abono do mais velho (o processo de Diego ainda corre por razões de guarda parental), não chega aos 250 euros. A que soma a ajuda do pai, sem trabalho fixo.
"Isto veio estragar tudo". A pandemia. "Não chega para tudo". Deitou mãos à Internet e foi procurar ajuda para comer. "Eu não tenho vergonha de pedir ajuda", diz a mãe, 58 anos, anos de vida madrasta. Bateu à porta da Legião da Boa Vontade. E agradece à "dra." Chega-lhe sustento, "e tendo alimentos o resto vem por acréscimo, e a minha mãe também ajuda", conta Elisabete.
Alimentos que, como todos os anos, em quase todas as escolas, se pedem para os mais desfavorecidos. E, nesse dia, Rodrigo, o mais velho, nove anos, chorou. "Tinha chorado porque não tinha levado a saca. Mas fui levar à escola uma lata de atum, uma lata de ervilhas". Das lágrimas de um "menino muito reservado, tranquilo e carinhoso".
O Natal está lá. Com árvore. E luzes. E prendas. "O Rodrigo sabe que foi a dra. que deu as prendas". E o que queria o Rodrigo? (Ri-se) "Quer uma Nintendo. Mas sabe que tem que esperar". E percebida a história da Nintendo, voltas ao ventre. E, de repente, naquela casa, todos choram enquanto o Diego se entregou aos sonhos.
Perdeu o cunhado, no verão passado, nas obras, em Espanha. E em janeiro o sobrinho, 18 anos. Cancro. Dois transplantes de medula. Os amigos do irmão mais novo juntaram-se. Contaram moedas e notas e compraram-lhe uma Nintendo. A 17 de janeiro. O sobrinho faleceu no dia seguinte. "Foi um ano complicado", diz Otília. A filha já "só queria que tudo voltasse ao normal para voltar a trabalhar". E sais. Em silêncio.
Antes trabalhava à hora. Agora não aparece nada
Maria Jacinta Toma conta de dois netos menores desde que nasceram e viu-se obrigada a pedir ajuda para comer.
"Toda a ajuda é bem-vinda e agora com a pandemia ainda mais", desabafa Maria Jacinta, ao mesmo tempo que segura os dois sacos recheados de alimentos que foi buscar à Cruz Vermelha de Vila Real. É assim desde 2014, altura em que pediu ajuda porque o dinheiro não chegava para sustentar os dois netos que tem a cargo desde que nasceram.
Maria Jacinta tem 57 anos e mora com dois netos, um menino de cinco anos e uma menina de nove. "Desde que saíram do hospital, sou eu que os crio". A mãe não tinha condições mentais para cuidar dos filhos e deixou-os entregues à avó. Lá em casa são só os três e a ginástica financeira que Maria Jacinta tem de fazer para que não lhes falte nada é muita.
Tem uma pensão que não chega aos 200 euros e só em medicamentos para os netos "não chegam 300". Os irmãos sofrem de pele atópica, por isso, precisam de cremes e champôs especiais, que, por serem considerados produtos de beleza, não são comparticipados.
Um trabalho a tempo inteiro Maria Jacinta não pode ter. "Não tenho com quem deixar os meninos", justifica. Mesmo assim, antes da pandemia, "ainda ganhava umas horas nalguma coisa que aparecesse e tanto jeito dava, agora não aparece nada" para aliviar o peso das contas no fim do mês.
Todos os meses vai à Cruz Vermelha levantar alimentos e, se precisar de roupa para as crianças, também é dali que leva. A Cáritas ainda ajuda com algumas despesas e mora numa casa social cedida pela Câmara. Se assim não fosse, era "impossível aguentar, já tinha ido para debaixo da ponte", afirma.
Não há "luxos", telemóveis ou computadores para as crianças. "Vivo para os meus netos, para lhes dar um bom calçado, umas boas calças e um bom kispo", sustenta. "Este ano, o Pai Natal vem fraquinho" mas, com ajuda do apoio alimentar, em cima da mesa "não vai faltar nada".