Sabe quem foi o primeiro político português a abrir a porta de casa para mostrar a família? O homem que substituiu Salazar na governação do país, faz dia 27 deste mês 47 anos - Marcelo Caetano.
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Estávamos na reta final do Estado Novo, final dos anos 60, 35 já contados de ditadura, quando o então empossado presidente do Conselho de Ministros aceitou realizar uma sessão fotográfica para a revista "Flama": nove páginas, 12 fotografias. "A ideia era humanizar o regime, potenciar a primavera marcelista, o que justifica também o seu programa semanal na RTP chamado "Conversas em família", em que explicava aos portugueses as suas propostas políticas para o país", esclarece Vasco Ribeiro, professor de Comunicação Política da Universidade do Porto, ressalvando que, "felizmente, a moda de expor a família não pegou." Pelo menos, até ao Governo de Pedro Passos Coelho, aquele que, considera, "até hoje, mais mostrou a família".
A responsabilidade, no entanto, acrescenta o investigador, não é só dos políticos. "Também é dos políticos, que se refugiam na família para não explicarem um programa porventura mais difícil; mas é sobretudo dos jornalistas, porque explorar a vida pessoal é mais fácil e vende mais do que explicar matérias complicadas como o PIB ou a Segurança Social. E é dos assessores, que logicamente ensaiam este tipo de encenação, porque contém menos riscos de comunicação".
O atual PS, continua Vasco Ribeiro, não só não se afasta deste registo do líder do PSD, como o copia. "Basta reparar na disponibilidade de António Costa para publicar fotografias da mulher nas redes sociais, contando-nos que comeu um hambúrguer no dia do casamento, ou dos filhos, para dizer que "sempre se esforçou para que a sua vida profissional nunca afetasse a vida familiar, acompanhando sempre de perto os seus filhos, que sempre o apoiaram".
Os dois filhos de Costa, de resto, têm sido presença assídua na campanha eleitoral. Tal como Laura Ferreira, mulher de Passos Coelho, que sempre o acompanhou nos últimos quatro anos. A mulher de Jerónimo de Sousa, do PCP, nunca se vê. E muito menos se conhece a vida privada de Catarina Martins, do BE. "O voto é emocional" Apresentar a família rende ou não votos? "Pode ajudar", responde Albertino Gonçalves, sociólogo e professor da Universidade do Minho. "O voto dos portugueses é muito emocional e simbólico. Querem conhecer a dimensão humana do político e isso inclui mostrar mulher e filhos, se os tiverem". No entanto, alerta o docente, "essa sensação de que ficamos a conhecer o caráter psicológico do político não tem nada a ver com pensamento político. A utilização da família surge justamente para criar um certo nevoeiro na mensagem".
É um modelo, sobretudo presidencial, torna Vasco Ribeiro, importado dos EUA. "Eisenhower, 34.º presidente norte-americano, foi quem inaugurou o registo. Era general, falava mal e um dos seus assessores socorreu-se das histórias da família para criar uma imagem positiva. Kennedy, que viria a seguir, elevou a utilização da família ao expoente máximo". Albertino Gonçalves esclarece que "enquanto os americanos dominam esse sistema, porque o inventaram, os políticos portugueses ainda estão a dar os primeiros passos". É por isso que, às vezes, corre mal, completa o professor do Porto. O exemplo fracassado de Manuel Maria Carrilho, em 2005, a exibir o filho bebé e a mulher da altura, estrela televisiva, é a prova de quanto pode correr mal. "Quem sugeriu essa estratégia foi Edson Athayde, o mesmo publicitário que, dez anos depois, estará a dar as mesmas indicações a António Costa. É brasileiro, possui uma cultura, mesmo política, diferente da nossa. E o consultor de campanha de Passos Coelho, André Gustavo Vieira Silva, também é brasileiro.
Daí, talvez, a similitude da estratégia "família" dos dois candidatos". Albertino Gonçalves lamenta que se substitua "a narrativa dos políticos por estados (está doente, por exemplo)", mas reconhece que "pode ser eficaz". Já Vasco Ribeiro considera "um erro fatal, sobretudo para a democracia, trocar o essencial pelo acessório". E questiona: "O que interessa para a vida do cidadão contribuinte saber se a mulher do político é bonita ou feia, alta ou baixa, gorda ou magra?"