O ex-presidente da República não quer ser um elemento perturbador. Elogia o desempenho das forças armadas e defende que têm de ter os meios indispensáveis.
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O general Ramalho Eanes recusa comentar, mas assume ter ficado "profundamente desgostoso, enquanto militar e enquanto cidadão" com o caso que envolve os 13 militares da Marinha que recusaram embarcar no Navio da República Portuguesa Mondego para escoltar um navio russo ao largo do Funchal.
O antigo Presidente da República admite ter opinião, mas alega que "a instituição militar, o ministro da Defesa e o Presidente da República hão de resolver a questão de maneira capaz". À margem de uma cerimónia em Castelo Branco, onde foi homenageado nos 252 anos da cidade, Ramalho Eanes disse não ser momento de interferir, nem se substituir "a quem dentro do Estado tem a responsabilidade de comentar este caso e, inclusive, esclarecer os portugueses sobre esta questão".
Recordando o tempo em que foi o comandante supremo das forças armadas e recusou as insígnias de marechal, Ramalho Eanes reconhece que "o país nunca disse que forças armadas queria ter e isso fez com que não desenhasse uma estratégia", levando muita gente a esquecer-se que "as forças armadas são indispensáveis para manter a soberania, para manter a liberdade e para manter a democracia". Como país pobre "as forças armadas não podem ser muito grandes, mas têm de ter tudo aquilo que é indispensável para que possam funcionar com eficácia. Porque os portugueses esperam que, em caso de necessidade, as forças armadas estejam prontas e possam realmente atuar".
Elogia o desempenho das forças armadas nacionais em teatros de operações no estrangeiro, reiterando que "numa questão militar a sério, as forças armadas têm de ter preparação, organização, meios, uma direção política capaz, uma direção militar competente e tem de ter uma logística indispensável".
Durante dois mandatos como chefe da nação foi o comandante supremo das forças armadas, fazendo ele próprio parte das fileiras do exército. Recusa comentar este caso, pelo mesmo motivo que recusou receber as insígnias de marechal. Na altura, "não escondo que sendo militar gostaria de ser marechal. Mas entendi que possivelmente haveria outros camaradas que mereciam mais que eu. E depois perguntei-me a mim: tu aceitas isto e depois? Depois vais ser um elemento de perturbação, porque passas a dizer ao poder: cuidado que isto está mal... é necessário isto...é necessário aquilo. E o poder o que vai dizer é que quem dirige a instituição militar e lhe atribui o que entende atribuir é o Governo. Por isso entendi que por razões de prudência política e desígnio nacional devia estar caladinho. E foi isso que fiz".
Ramalho Eanes reconhece que "nós portugueses temos muitas qualidades, mas temos alguns defeitos graves. Um deles é que gostamos de maldizer tudo". No seu entender, também "não somos muito ambiciosos e devíamos ser. Somos invejosos e isso faz com que as coisas não funcionem coletivamente bem, porque o país não estabeleceu um projeto coletivo, de mobilização geral, que visa, ao fim de uns anos, ter um determinado tipo de país, economicamente mais desenvolvido, socialmente uniforme, mais justo" e, ao invés disso, "perdemo-nos muito nos fait-divers".
Referiu-se ainda à relação entre a sociedade civil e o Estado, para lembrar que "o Estado não é o dono da sociedade civil, mas sim um instrumento que a sociedade criou, para que a sociedade civil resolvesse os problemas. Se é um instrumento, a sociedade civil deve utilizá-lo da melhor maneira possível. Colaborar com o Estado quando entende que deve colaborar; indagar o Estado quando entende que o deve indagar; e contestar o Estado quando entende que o deve fazer. Mas como isso não se faz de maneira muito diferenciada, às vezes resulta mal".