Impacto nos diagnósticos preocupa Liga Contra o Cancro, que estima mais de 30 mil mortes em 2020.
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Apesar da retoma, os rastreios oncológicos não estão ainda ao nível dos valores registados em 2019. Deixando milhares de casos por diagnosticar. Uma situação que preocupa a Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), que defende ser "urgente uma reorganização do sistema nacional de saúde".
De acordo com os dados do Portal da Transparência do SNS, em novembro passado face a período idêntico de 2020 tinham-se realizado mais rastreios ao cancro colorretal (+2%) e mamografias (+1%). Mas, comparando com período homólogo de 2019, registava-se uma quebra de 4% e 16%, respetivamente. Já o número de mulheres com papanicolau atualizado - fundamental para a prevenção do cancro do colo do útero - caiu 5% face a 2020 e 14% face a 2019.
Uma análise feita pela MOAI Consulting para o Movimento Saúde em Dia projeta milhares de rastreios por realizar e de novos casos por diagnosticar. De acordo com as estimativas daquela consultora, nos último dois anos ter-se-ão realizado menos 148 845 mamografias face a 2019, projetando em 1868 as mulheres com cancro da mama por diagnosticar.
Já no que ao cancro do colo do útero concerne, estimam menos 158 mil mulheres com registo de papanicolau atualizado no final de 2021, prevendo 399 novos cancros por diagnosticar nos dois últimos anos. Por último, no cólon e reto, estimam 83 779 doentes sem rastreio realizado no final do ano passado face a 2019, num total de 2155 novas neoplasias por identificar.
Mais de 30 mil óbitos
Para a LPCC, os dados "sugerem que muitos casos de novos cancros ficaram por identificar durante os anos de pandemia". A Liga estima 30 168 óbitos por cancro no nosso país em 2020, "número que tenderá a crescer nos próximos anos, face aos atrasos de diagnóstico e tratamento, sendo que o grande impacto nas mortes por cancro deverá sentir-se dentro de um a cinco anos". Razão pela qual "defende que é importante e urgente que se verifique uma reorganização do sistema nacional de saúde em defesa do doente e uma maior aposta em programas de prevenção, deteção precoce e tratamento do cancro em Portugal". Com foco, vinca a instituição presidida por Francisco Cavaleiro Ferreira, "na reorganização dos Cuidados de Saúde Primários (CSP)".
Isto porque, além dos rastreios, a LPCC aponta também a "diminuição da capacidade assistencial dos CSP" como fator que contribuiu "para a redução de diagnósticos". Sendo que nos casos "em que não havia um diagnóstico precoce organizado e que constituem cancros mais agressivos - exemplos do cancro do pulmão, intestino e fígado - verificaram-se mais diagnósticos tardios".
Entrevista: Ana Raimundo, Presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia
"Criar vias verdes para o cancro"
O que sabemos hoje do impacto da pandemia nos doentes oncológicos?
Os dados tardam sempre em ser publicados e do domínio público. Sabe-se que houve um interrupção completa dos rastreios em 2020 e novo agravamento em 2021. Sendo que alguns, como o do colo do útero, estão muito dependentes dos centros de saúde. O que levou a uma diminuição dos diagnósticos em fase assintomática, com elevada probabilidade de cura.
Com efeitos em cadeia.
As consultas foram adiadas, os diagnósticos são mais tardios, vão ser feitos em estadios mais avançados. Espero que os médicos de família possam voltar a 100% aos seus utentes. O que mais se pode acusar é que a luta contra a covid esqueceu as outras doenças. O que falhou foi pensar muito covid e vamos sofrer esse impacto mais tardio, com aumento da mortalidade por outras doenças que não a covid.
Que prioridades defende para o Plano Nacional de Luta Contra o Cancro, em elaboração pela DGS?
Aumentar a literacia da população, a promoção de hábitos de vida saudáveis. Antes dos rastreios, a prevenção é fundamental. Depois, criar vias verdes para o cancro, como temos para o AVC e coronárias. Com acesso a consultas e meios de diagnóstico em tempo útil e encaminhamento rápido com equipas multidisciplinares.
Mais literacia em saúde e aumentar a população a rastrear
Direção-Geral da Saúde está a elaborar novo plano nacional
Primeiro. Prevenção. Reforçando a literacia em saúde. Segundo. Rastreios. Aumentando a cobertura populacional. As prioridades do Plano Nacional de Luta Contra o Cancro que a Direção-Geral da Saúde (DGS) está a desenhar devem passar por aqui. De olho nas quatro prioridades definidas no plano europeu: prevenção, diagnóstico, tratamento e sobrevivência dos doentes, num financiamento global de quatro mil milhões de euros.
No IPO do Porto, Rui Henrique revela que o plano estratégico do instituto está já "alinhado com o europeu". Entendendo que, "politicamente, não é atrativo" apostar na prevenção, porque "leva muito tempo", o facto é que trata-se de uma peça-chave na estratégia.
Também o Conselho de Administração do IPO de Coimbra considera que, "dada a elevada percentagem de cancros que são evitáveis, importa apostar, de forma crescente, em ações que garantam a prevenção e a melhoria da literacia em saúde". Acresce, explicam por escrito ao JN, que o "foco terá de continuar a ser o do acesso e da equidade, potenciando medidas que garantam cuidados de saúde de qualidade e em tempo oportuno, numa abordagem humanizada que assegure bons resultados em saúde".
Em cima da mesa, explique-se, ter 90% da população com acesso aos três rastreios oncológicos até ao final de 2025. E mudanças na rede de referenciação oncológica, mimetizando no SNS a estrutura dos centros de referência.
Questionados pelo JN, DGS e Ministério da Saúde não se pronunciaram.