Depois do embate do primeiro ano de pandemia, atividade começa a normalizar. Impacto na taxa de sobrevivência tem de ser estudado.
Corpo do artigo
Depois do impacto do primeiro ano pandémico, com os doentes a não chegarem aos institutos de oncologia por falta de referenciação, a atividade dos três IPO do país - Porto, Coimbra e Lisboa - está a normalizar e a aproximar-se dos valores pré-pandemia. A perceção de que há doentes a chegarem em estadios mais avançados só poderá ser confirmada daqui a uns anos, quando se analisarem cientificamente os dados de mortalidade. Só então poderemos perceber qual o impacto da pandemia na taxa de sobrevivência dos doentes oncológicos.
No ano passado e face a 2019, os três institutos viram o número de consultas aumentar: Porto com 316 mil (+8%), Coimbra com 153 mil (+21%) e Lisboa com 305 mil (+11%). Igual tendência seguiram as cirurgias, com os três IPO a realizarem, no ano passado, um total de 23 426 operações. Lisboa e Coimbra operaram mais face a 2019, enquanto o Porto se aproximou dos valores pré-pandemia. A explicação é simples: segundo o seu presidente, Rui Henrique, "o ritmo de crescimento no último trimestre de 2021 foi menor, porque os casos eram mais complexos".
No que às referenciações concerne, a realidade difere entre os três institutos. Comparando "o número de consultas realizadas e referenciadas via CTH (consulta a tempo e horas)", Coimbra registou, no ano passado, "uma evolução positiva que é superior em 11%, face ao ano 2019", refere o Conselho de Administração.
Em Lisboa chegaram 18 282 doentes referenciados, ainda abaixo de 2019, mas, diz o seu presidente, João Oliveira, "globalmente, recebemos poucos doentes dos centros de saúde (10% do total), a maior parte chega diretamente ou através do médico do privado ou do hospital".
No Porto, depois da quebra de cerca de 20% no primeiro ano de pandemia, os doentes referenciados aumentaram 19,2% face a 2020, "regressando à estatística de normalidade". Apontando Rui Henrique um dado preocupante: "Se, durante 2020, fazendo fé que houve um conjunto de casos por diagnosticar, para 2021 esperaríamos um incremento global e não uma normalidade". O que pode evidenciar, acrescenta o responsável do IPO do Porto, "alguma eventual dificuldade de referenciação de casos" (ler ao lado), mas também o facto de "parte substancial da doença oncológica se manifestar em doentes mais idosos, podendo a covid ter reduzido o número de doentes potenciais referenciados para o sistema".
Estadios avançados
Quanto ao impacto da pandemia na taxa de sobrevivência dos doentes oncológicos - hoje, recorde-se, assinala-se o Dia Mundial de Luta Contra o Cancro -, só o tempo e análise de dados o dirão. "Os tumores mais agressivos e de propensão mais rápida, como o do pulmão ou pâncreas, mesmo em 2020, continuaram a aparecer em fases mais avançadas", refere Rui Henrique.
No IPO de Lisboa, a mesma realidade. "Todos temos a noção que chegam com doença mais avançada, mas agora a concretização dessa hipótese precisa de quantificação", diz João Oliveira, defendendo que "seja submetida a investigação e escrutínio científico". O que requer dados de mortalidade que ainda não são conhecidos.
Sobre a recuperação de atividade conseguida no ano passado, o presidente do IPO do Porto destaca a reorganização interna, "maximizando a capacidade instalada", e a "abertura de mais um espaço para cirurgias em contexto de ambulatório".
Num ano em que "todos os fatores apontavam para uma diminuição da atividade, conseguir estabilizar e até aumentar ligeiramente" é um feito que se deve à dedicação dos profissionais de saúde, acrescenta João Oliveira. Sendo que, em Lisboa, ao IPO faltam 300 dos 2309 necessários. "Há um problema gravíssimo de recrutamento de profissionais e de substituição dos que saem, porque o apelo dos privados é grande", frisa o presidente da unidade da capital. Pelo que pede ao novo Governo a devida "valorização das carreiras , ao nível de remunerações e progressões, de modo a que seja atrativo estar no SNS". Avisando, por fim, que há limites e que "se nada for feito a situação vai degradar-se".
À margem
Novo edifício
O presidente do IPO de Lisboa mostra-se preocupado com o facto de a construção do novo edifício de ambulatório, que esteve contemplado no Orçamento do Estado (OE) 2021, não ter sido orçamentado no de 2022 e entretanto chumbado. João Oliveira espera agora que "no novo projeto de OE seja contemplado".
2.ª causa de morte
De acordo com dados do Globocan, citados pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), o cancro é a segunda causa de morte em Portugal, estimando-se 30 168 óbitos e 60 467 novos casos em 2020. "O cancro do colorretal é o mais frequente em Portugal, com 10 501 novos casos", seguido do cancro da mama (7041), próstata (6759) e pulmão (5415)".
Cancro da mama
A LPCC conseguiu normalizar, no ano passado, o programa de rastreio de cancro da mama, com 353 mil mamografias efetuadas nas suas unidades móveis e fixas. Isto depois da atividade do programa ter caído para metade em 2020, com apenas 170 mil mamografias, devido "às restrições resultantes da pandemia, que obrigaram a LPCC a suspender o programa".
Dados
60 467: O Globocan, projeto do IARC - Agência Internacional para a Investigação do Cancro, estima 60 467 novos casos de cancro em Portugal em 2020.
2,2%: Em 2019, as mortes por tumores malignos aumentaram 2,2% face a 2018, para um total de 28 544. Respondem por um quarto de todos os óbitos.