A quinta geração de rede de internet vai muito além do que permitir que carros autónomos interajam entre si. Possibilita que os grandes centros urbanos sejam geridos de uma forma mais integrada. Assim, um dos grandes potenciais da rede 5G, que chegará em breve a Portugal, é permitir a criação de "gémeos digitais" das cidades, que se podem tornar ferramentas essenciais na governação e gestão das mesmas.
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O sistema de saúde sabe os nossos dados médicos, o supermercado as compras que fazemos, as redes sociais conhecem os nossos gostos, e a Segurança Social, por exemplo, o nosso histórico contributivo. O conjunto de todos esses dados constitui como que o "gémeo digital" de cada um de nós. E o conceito funciona de forma semelhante quando se fala de cidades. Em cada uma, há triliões de dados relacionados com as redes de abastecimento, a automatização de edifícios, o tráfego automóvel ou a gestão dos resíduos. E cada vez haverá mais, à medida que a transformação digital se aprofundar. O 5G vai elevar a fasquia no conceito de "cidade inteligente".
Genericamente, um "gémeo digital" é uma réplica virtual de um objeto ou sistema físico, que recebe e analisa dados em tempo real para propor ações que tragam um valor acrescentado ao sistema físico modelado. "Para a cidade, o "gémeo digital" é a imagem digital de tudo o que possamos imaginar", traduz Mário Campolargo, diretor-geral de Informática da Comissão Europeia e antigo diretor de investigação na área de 5G da mesma instituição.
A título de exemplo, no Japão já é possível, em casos de terramoto, saber quantas pessoas estão num edifício e, dinamicamente, guiá-las para as melhores ruas para fazer a evacuação. "Com o 5G e outras tecnologias de nova geração, há a possibilidade de gerir uma cidade digitalmente. Sensores recolhem informação em tempo real, redes sociais transmitem o sentimento dos cidadãos, a informação é processada no "gémeo digital" e teremos, assim, uma base sólida para a tomada de decisões", explica Mário Campolargo.
Dados que ajudam a tomar decisões
Atualmente, qualquer cidade tem os serviços de administração digitalizados. Mas o "gémeo digital" é um conceito mais alargado e integrado. "O interessante é cruzar os dados. Hoje, para se construir uma nova escola, utiliza-se um terreno disponível. Mas, se pudermos ter acesso a dados de poluição, de acesso a transportes, de médias etárias ou de condições económicas, por exemplo, é possível analisar esses dados para tomar uma melhor decisão", adianta o diretor-geral de Informática.
A ideia do contributo de "gémeos de digitais" para gerir uma cidade vai ao encontro do que defende a Delloite, uma das maiores empresas de consultadoria e serviços do Mundo, que aponta como falhas às cidades inteligentes de primeira geração (Smart City 1.0) as "barreiras institucionais" e a "governação fragmentada". Segundo a empresa, os dados ficam apenas "em ciclos internos, sem serem conectados nem combinados com outros". E "a prevalência de "silos" de informação torna a aplicação de tais dados ineficaz", sustenta.
Mas porque é que só o 5G vai permitir alcançar o que até agora não foi alcançado com a rede 4G? De acordo com o Portal 5G, da ANACOM, tudo se deve ao "efetivo das oportunidades oferecidas pela conectividade de muito alto débito, baixa latência, maior duração da bateria dos equipamentos e capacidade de tratamento de um volume maciço de comunicações". E, nesse campo, um dos parâmetros que mais importância tem é a latência. Se no 4G a latência é de 30 a 50 milissegundos, no 5G é de um milissegundo.
É 50 vezes mais rápido. Num milésimo de segundo, temos a informação. Por isso é que o 5G vai ter uma importância imensa na digitalização da indústria
"É 50 vezes mais rápido. Num milésimo de segundo, temos a informação. Por isso é que o 5G vai ter uma importância imensa na digitalização da indústria. O 4G é aquilo a que podemos chamar de internet móvel de pessoas. O 5G cria uma Internet para as coisas", sublinha Mário Campolargo. É que uma SMS pode demorar segundos a ser entregue, mas esse tempo de "espera" não é relevante. Só que quando se trata de carros autónomos, por exemplo, segundos de atraso na interação entre dois veículos podem ser fatais.
O 5G vai possibilitar, a longo prazo, uma mudança radical nas cidades, potenciando o conceito de "cidade inteligente". A ANACOM destaca cinco áreas que vão ser beneficiadas com a evolução: segurança pública, transportes, setores de energia e de água, cultura e turismo e, ainda, integração social.
A dar os primeiros passos em Portugal
"Recorrendo à videovigilância, conjugada com software biométrico (de reconhecimento facial) e inteligência artificial", será possível "identificar antecipadamente situações perigosas e detetar mais rapidamente acidentes de automóvel e ataques terroristas". Na área dos transportes, surgirão os veículos de condução automática. No setor da energia, possibilita-se uma gestão inteligente da iluminação pública, com sensores de movimento. No setor da cultura e do turismo, o 5G vai permitir, destaca o Portal 5G, "utilizar a realidade virtual e aumentada para apresentar a cidade de formas inovadoras". Já no campo da integração social, tornará exequível, por exemplo, "a oferta de óculos inteligentes a cegos, para que estes possam percorrer melhor instalações como aeroportos", como já acontece nos EUA.
Em Portugal, ainda não se sabe quando é que o 5G será disponibilizado (ver caixa), mas já existem locais em que a rede foi disponibilizada para testes. É o caso do Estádio da Luz, em Lisboa, do Estádio do Dragão, no Porto, e, por exemplo, de uma extensão de cinco quilómetros da praia do Tarquínio da Costa da Caparica, em Almada, onde decorreu, este verão, o ensaio de um sistema de vigilância da água e dos banhistas, em tempo real. Também em Aveiro, cidade onde foi instalada a primeira antena 5G do país (na Altice Labs), têm sido testadas várias iniciativas, no âmbito do projeto municipal "Aveiro Steam City".