Uma em cada quatro crianças em Portugal vivem em risco de pobreza, 1,7 milhões de portugueses vivem com menos de 632 euros por mês. A presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) Portugal, Maria Joaquina Madeira, pediu, esta terça-feira, no Parlamento, aos partidos que tornem o próximo Orçamento do Estado "num instrumento contra a pobreza e a exclusão social".
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"As decisões tomadas diariamente nesta Assembleia da República moldam a vida de milhões de portugueses, a vossa responsabilidade é enorme, mas as vossas oportunidades também o são", defendeu Maria Joaquina Madeira, sublinhando que a luta contra a pobreza é um dever constitucional.
No XVII Fórum Nacional de Combate à Pobreza e Exclusão Social, Maria d'Oliveira Martins, professora de Direito da Universidade Católica Portuguesa, defendeu para uma estratégia de combate à pobreza uma revisão constitucional, a uniformização das prestações sociais e a monitorização estatística do acesso a apoios da Segurança Social.
"O Estado deve ser o primeiro responsável pelo combate", frisou Maria d'Oliveira Martins. A professora de Direito, autora do livro "Direito a não ser pobre", considera que no artigo 9.º da Constituição deve ficar claro a proteção especial pelos mais pobres. O Rendimento Mínimo Garantido, propõe, deve ser revisto, tanto nos valores como nos requisitos de elegibilidade.
"Recorrer à Segurança Social é um inferno. É um caleidoscópio de prestações", alerta Maria d'Oliveira Martins, apelando a uma uniformização das prestações e um sistema de monitorização estatística que divulgue quantas pessoas não conseguem aceder e porquê. "É preciso mapear a eficácia das políticas públicas", insistiu.
Revisão constitucional
O apelo a uma revisão constitucional mereceu respostas, pouco depois, numa mesa redonda entre deputados. Isabel Mendes Lopes assumiu ter "medo" que esse processo, tendo em conta a atual composição parlamentar, possa terminar com um recuo nos direitos que a Constituição deve proteger. Para a líder parlamentar do Livre, "há uma diabolização das prestações sociais e da pobreza, mas é difícil criar soluções porque a discussão está muito inquinada e cheia de preconceitos".
"Vamos ver o que o futuro nos traz", reagiu Paulo Lopes Marcelo, do PSD, quanto a uma revisão constitucional, defendendo que o Estado não deve ser o único responsável pelo combate à pobreza.
Já Helena Silva, do PCP, sublinhou "que mais do que alterar é importante cumprir" a Lei Fundamental.
O socialista Miguel Cabrita defendeu o aumento do abono de família e a abertura de mais vagas gratuitas em creches para combater a pobreza infantil. Quanto aos idosos, o deputado do PS alertou que o complemento solidário está a chegar a cerca de 200 mil, "deixando para trás cerca de 700 mil".
Para o Livre, sublinhou Isabel Mendes Lopes, são fulcrais medidas que diminuam o custo de vida como o passe rodoviário nacional ou o programa 3C proposto pelo partido para contrariar a pobreza energética das habitações, além do investimento em habitação pública.
Helena Silva, do PCP, além do aumento de salários e pensões, defendeu uma rede pública de creches e de lares e a universalização do abono de família.
Paulo Lopes Marcelo, do PSD, sublinhou medidas previstas no OE como os aumentos das pensões e do complemento solidário para os idosos.
Já Felicidade Vital, do Chega, propôs uma rede pública de lares financiada pelos utentes consoante os rendimentos - "quem tem pensão mais alta paga mais do que quem tem mais baixa ".
Quem pode trabalhar?
A deputada do Chega defendeu que os apoios devem ser atribuídos apenas a quem não pode trabalhar. "Como os recursos são limitados, temos de definir muito bem quem precisa deles", frisou Felicidade Vital. No final, no momento de perguntas, foi interpelada sobre como o partido faria essa distinção. "Não é uma avaliação feita pelo olhar. Os reformados não podem trabalhar, as crianças também não ou as pessoas com deficiência. Quem tem saúde e pode estar no mercado de trabalho, tem de trabalhar. Não é assim tão complicado", respondeu aos muitos presentes na sala do senado que integram os conselhos locais de cidadãos da rede contra a pobreza.
André Amaral, do Iniciativa Liberal, defendeu uma capitalização progressiva das pensões, por empresas e trabalhadores para libertar o Estado do pagamento das reformas mais elevadas. Também foi interpelado pela plateia de como esse financiamento pode ser feito com pensões inferiores a 700 euros.
Na mesa redonda, Cidália Barriga, do Conselho Local de Cidadãos de Évora, alertou que, além da subida de salários e de pensões, são urgentes políticas públicas de habitação e que financiamento e medidas de combate à pobreza não mudem a cada quatro anos com a alteração de governos.
Presente no fórum, Omer Al-Hayali, refugiado iraquiano que chegou a Portugal em 2019, alertou que a integração é muito difícil, mas fundamental para não se agravar a pobreza. "Não nos vejam como números em registos, mas como seres humanos com sonhos. Não queremos compaixão, mas igualdade de oportunidades", afirmou, em português, depois de explicar que saiu do Iraque aos 14 anos, sozinho, rumo a um centro de refugiados na Turquia.
Na sessão de abertura, a vice-presidente do Parlamento, Teresa Morais, sublinhou que "não há verdadeira democracia sem respeito pela dignidade humana".